Corujice

- Pô, cara! Eu juro que não foi de propósito. Eu jamais faria uma coisa dessas com um amigo. Ainda mais com um amigo-irmão como você. Um cara sempre presente nas horas em que mais precisei. Um cara que sempre me deu uma puta força, que sempre me emprestou o ombro pra chorar minhas mágoas, que sempre esteve ao meu lado nas horas em que mais precisei...

- E mesmo assim...

- Cara, te juro por Deus que foi sem querer. Eu não podia imaginar. Nunca, nunca, nunca eu poderia imaginar. Vê lá se eu seria capaz de fazer isso com um amigo que segurou as alças do caixão de meu pai comigo, que agüentou ali, firme, comigo, o peso do meu velho gordo. Um amigo que me ajudou a levar minha mãe para o asilo quando a coitada da velhinha endoidou de vez. Eu nunca faria isso de propósito com você, meu irmão do coração. Juro que não faria.

- Mas na hora não se lembrou de coisa alguma...

- Porra, meu! Vê se entende de uma vez por todas. Foi uma casualidade. Um lapso. Um ledo engano. Já disse e repito: eu não sou desses caras que traem os amigos. Ainda mais um amigo que me empresta dinheiro e depois esquece de cobrar. Um amigo que combina um churrasco dividindo as despesas e depois esquece de cobrar a parte dos amigos, como você faz sempre.

- E nem por isso...

- E nem por isso, o quê, catzo? Mania de pensar mal de todo mundo, cara. Já te disse, redisse, tredisse e quadridisse: foi sem querer. Eu não sabia. Ninguém me deu um toque. Aconteceu independentemente da minha vontade. Eu jamais cometeria tal indignidade com frieza de intenção, sem pensar nas conseqüências, pouco me lixando pra você. Eu não sou desse tipo de amigo. Eu sou um cara leal. Le-al, entende. Fi-el, sacou?

- Isso não impediu que...

- Claro que não impediu, merda! Já não disse que não sabia, que foi sem querer, que não foi de propósito, que não foi maquinado, que simplesmente aconteceu? Olha pra mim e diz que acredita no seu amigo. Vamos, olhe pra mim.

- Bem que eu queria, mas agora não dá mais pra te ver como meu amigo. Meu melhor amigo...

Silêncio.

Um silêncio mais longo.

Silêncio demais.

Explosão:

- Quer saber de uma coisa, seu merda? A culpa é toda sua. Não tenho culpa se você é um namorado coruja que fica contando vantagem pra todo mundo. Vive dizendo pra todo mundo que sua namorada é linda demais, honesta demais, honrada demais, virgem demais, e os escambaus. Eu dou de cara com uma piranha comum, assanhada, que levanta a saia na primeira cantada, já tô meio bêbado,pego a vagabunda de tudo que é jeito, e depois fico sabendo que é a tua mina maravilhosa. Vá se danar, meu amigo. A culpa não foi minha. Tchau e bença, cacete!! Vá se danar e vê se da outra vez escolhe melhor.

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 09/06/2007
Código do texto: T519887
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