Um Corretor Eficiente

Tendo decidido que não seria nada mal ganhar um dinheiro extra nos fins-de-semana, aceitei o convite de meus amigos Luiz e Fernando, dois irmãos portugueses, para trabalhar com eles vendendo um loteamento em São Pedro, no interior de São Paulo.
Todos os finais de semana lá íamos nós com a Kombi cheia de possíveis interessados nos lotes do Hotel Fazenda São Francisco. Uma viagem no sábado e outra no domingo. Troço cansativo, mas bem lucrativo.
Em geral as viagens eram divertidas. A clientela, gente de nossas relações, engatava um papo e a conversa rolava solta desde a origem até o destino, e vice-versa.
Mas houve um domingo diferente. Bem diferente. A turma que ocupava a Kombi era formada de oito homens carrancudos, uma mulher com cara de “restinho na geladeira” (não tendo outro jeito a gente come.), eu e o Luiz, o mais gordo dos dois obesos irmãos.
Luiz dirigia calado, eu ia mudo ao lado dele, a mulher parecia cochilar o tempo todo, e os homens, que eu via pelo retrovisor, pareciam encaminhar-se para um pelotão de fuzilamento.
Percebendo o clima, Luiz cutucou minha perna. Fingi que não percebia e ele cutucou de novo. Aí eu me manifestei em voz bastante audível por todos:
- Se você passar de novo a mão na minha perna eu te processo por assédio sexual.
Ouvi umas risadinhas esparsas.
Aí eu emendei:
- Por falar em sexo, Luiz, lá em casa nós estamos passando por uma fase ótima. É sexo quase todo dia.
- É mesmo, cara? O que houve? Reconciliação?
- Não, rapaz. É quase na segunda, quase na terça, quase na quarta...
Desta vez ouvi algumas gargalhadas ainda um tanto quanto tímidas.
- Eu já te contei, ô Luiz, a nova versão do velho ditado “Quem dá aos pobres empresta a Deus”?
- Ainda não, meu amigo.
- Agora é assim: “quem dá aos pobres paga o motel.”
A essa altura a turma balançava as barrigas na risadaria solta.
Esperei o ambiente acalmar-se e dirigi-me de novo ao Luiz:
- Você não devia dirigir tanto assim, direto, Luiz. Vai acabar ficando com uma barriga tipo árvore de cemitério.
O mais gordo dos possíveis clientes manifestou-se:
- Essa que quero saber logo. O que é barriga tipo árvore de cemitério?
- Fica fazendo sombra pro morto.
A gargalhada do gordo doeu em meus tímpanos. As dos outros ficaram abafadas pela dele.
- Esta foi muito boa. O senhor é um pândego.
- Ofensa ou elogio isso aí?
- O quê?
- Pândego. Essa não é do meu tempo.
- Eu queria dizer que o senhor é engraçado.
- E porquê não disse?
A partir daqueles últimos momentos tudo que eu dizia era motivo de risada. E o Luiz, dono da imobiliária, satisfeito com a mudança de clima, apertou minha perna aprovando minha atuação. Dei-lhe um tremendo tapa na mão.
- Para com isso, safado. Sou moço de família, já te disse.
Luiz ficou roxo de tanto rir da bobagem.
A mulher com cara de “restinho na geladeira” a princípio riu com classe, mas depois foi se soltando e havia ocasiões em que eu lhe via o céu da boca. Da boca escancarada e virada para o alto, como galinha engolindo água.
Relaxada, rindo muito, descuidou-se um pouco da saia e pude ver que possuía um belo par de coxas. Passei então a dar mais atenção a ela e a contar piadas e a inventar brincadeiras mais apropriadas para o seu sexo.
Como se dizia antigamente, no tempo em que meu avô era criança, ela “ria a bom rir” e eu ficava virado pra trás olhando seu equipamento de andar.
Inventei piadas colocando o Luiz como personagem:
- Na semana passada veio aqui conosco uma senhora que queria dar um lote de presente à filha. Os senhores acreditam que o Luiz perguntou a ela se queria que embrulhasse pra presente? Depois não quer gozação com português.
Eu sabia que havia um português, parente do Luiz, entre os passageiros, e ele logo se manifestou:
- Estou pensando em contrataire o senhoire pra trabalhaire comigo. Preciso rire de quando em vez.
Respondi na lata e arranquei mais gargalhadas:
- Essa é boa! O homem quer me contratar pra ser bobo da corte do rei dos pães...

Luiz parou a Kombi por alguns minutos para descansar do volante, todos nós descemos, e a mulher aproximou-se de mim, risonha:
- O senhor é sempre bem humorado assim? Deve ser uma pessoa muito feliz.
- Não posso me queixar da vida, senhora. Tenho meus problemas, como quase todo mundo, mas nada que me impeça de ser alto astral tanto quanto possível.
- Eu queria tanto ser mais alegre, mais solta, sei lá...Mas são tantas responsabilidades, tantos compromissos e horários rígidos que mal tenho tempo de pensar em coisas boas.
- Bem, senhora...
- Chame-me de você, por favor. Esse senhora me envelhece tanto...
- Isso seria impossível. Não seria um tratamento cerimonioso que a envelheceria na flor da idade.
- Na flor da idade? Bondade sua. São seus olhos, moço.
Quase que respondi: não, moça, são suas pernas...mas contive-me a tempo.
- Que nada. Tudo que você precisa fazer para demonstrar sua verdadeira idade é sorrir mais. Mostrar mais felicidade nesse rosto bonito que Deus lhe deu.
- Você acha mesmo?
- Moça, todo meu sucesso com as mulheres deve-se à minha franqueza absoluta. Faço tanto sucesso com o sexo oposto que minha agenda está tomada pelos próximos dois anos.
Ela riu com gosto e, juro mesmo, remoçou bem. Ficou atraente.
- Puxa vida! Pelos próximos dois anos...E eu que pensei que conseguiria uma hora vaga um dia desses...
- Acabo de me lembrar que dezesseis delas me abandonaram de ontem pra hoje. Podemos marcar uma consulta agora mesmo. No seu consultório ou no meu?
- No meu.
- O endereço, por favor.
- Vai estar no contrato de compra do lote.
Várias vezes, nos meses seguintes, eu sonhei que aquele belo par de pernas corria ao lado da Kombi quando eu e o Luiz, ou eu e o me xará, íamos para São Pedro vender lotes.
Naquele dia nós vendemos treze lotes para aquela turma. Quem disse que calar é ouro?
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 10/06/2007
Reeditado em 22/07/2007
Código do texto: T520904
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.