763-SENHORA DAS COROAS - Epílogo do livro

A noite estendeu o véu negro. A friagem da madrugada não chegava até o fundo da cova, o que, de certa forma, deu um pouco de tranqüilidade à Beatriz. O silêncio envolvia tudo e ela prestou atenção nas estrelas piscando no veludo do céu noturno.

As orações em voz alta transformaram-se em murmúrios, e as lembranças, sempre as lembranças, mantiveram a centelha da vida.

Recordou-se de como fora importante para muitas pessoas que jaziam ali, naquele cemitério. Procurou sempre amenizar a triste realidade da morte, tecendo carinhosamente e com amor, coroas que iam sobre os caixões e que, depois, enfeitavam as lápides frias. Pouco recebera em agradecimento, mas não tinha importância agora. Fora carinhosa com as pessoas que pudera ajudar nos últimos momentos.

Sabia que sua hora estava chegando. Uma sensação de tranqüilidade tomou conta de seu espírito. Cumprira sua missão, seu dever, suas obrigações. De nada se queixava, pelo contrário, agradecida estava a Deus por todos os momentos de sua vida.

Percebeu que algo muito importante estava para acontecer. As dores já não mais a perturbavam e sentiu-se até confortável. Antes, muito antes da aurora, uma luz intensa foi iluminando a cova.

Fechou os olhos serenamente e esperou.

Antes, muito antes da aurora, uma luz intensa iluminou a cova.

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O Coveiro a encontrou na manhã seguinte. O corpo estava enregelado, rígido. Deitada como se estivesse mergulhada em profundo sono, mostrava uma grande tranqüilidade em seu rosto. Nada que pudesse revelar os momentos de dor e de medo.

Nos minutos finais do velório, quando a luz da tarde mesclava o ambiente com cores de nostalgia e saudade, chegou uma jovem com singela coroa de flores. Um rosto muito alvo, cabelos loiros e olhos azuis como as águas de um lago, ajoelhou-se à cabeceira do caixão, onde permaneceu em oração silenciosa.

Nenhuma das pessoas que estavam no velório conhecia a moça. Entre murmúrios os mais idosos comentaram a semelhança dela com Beatriz, quando era mocinha. Só se levantou quando notou o movimento de homens colocando a tampa do ataúde.

O enterro foi realizado sob uma garoa fria, o céu cinzento da tarde triste. As amigas de Beatriz, inconsoláveis, enxugavam constantemente as lágrimas. Os homens seguiam impassíveis, porém não conseguiam esconder a comoção.

Sobre o caixão foi colocada a coroa trazida pela jovem desconhecida, que acompanhou o féretro. Uma singela coroa de flores silvestres. Uma coroa muito simples. Podia-se perceber, entretanto, o carinho com tinha sido feita.

Talvez com flores de um jardim.

Talvez sua primeira coroa.

ANTONIO ROQUE GOBBO

CONTO # 763 DA SÉRIE MILISTÓRIAS

Senhora das Coroas > volume 8 da Coleção Milistórias

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Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 18/04/2015
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