Cheiro de Amor - Histórias de Amor Safado

A senhora sentada ao meu lado no ônibus que fazia o percurso Santos-São Paulo era bem bonitona e tinha um aspecto pra lá de respeitável. Rosto liso, sem rugas, um belo nariz um tantinho avantajado, o queixo com um ligeiro comecinho de papada, mas uma bela figura no geral. Nem gorda nem magra, calculei que sua altura devia ser quase igual à minha, se não fosse um pouco mais baixa. Agradável criatura.

Alérgico a perfumes vagabundos, inebriei-me com o que ela usava. Um odor suave, gostoso, sutil a ponto de a gente pensar em recolhê-lo todo com uma boa inspiração.

Tomei coragem e, sorrindo para ela até que me olhasse de esguelha, cumprimentei-a pela excelência do perfume, com a minha habitual naturalidade forçada de certas ocasiões:

- A senhora me desculpe a liberdade, mas tenho que lhe dar os parabéns pelo perfume que está usando. É extraordinário, sem qualquer exagero.

Ela me olhou um tanto quanto surpresa e vi seu rosto, felizmente, iluminar-se em um sorriso de dentes impecáveis.

- Que bom que o senhor gostou…É horrível a gente viajar ao lado de quem usa um perfume que nos desagrada. Já tive dessas experiências, e o pior é que a última foi em um avião lotado.

Dali por diante a conversa engatou fácil. Rolou aquele papo gostoso sobre mil assuntos diferentes. Assuntos que iam de viagens a livros, de livros a autores preferidos, de autores detestáveis, de boas a más revistas, vida, filosofia, política, casamento, filhos, e mais uma infinidade de palavras usadas sem esforço algum, arrancando boas risadas de parte a parte.

Sessenta minutos exatos foi o tempo suficiente para que cada um tivesse “lido” várias páginas da biografia do outro e, infelizmente, pensei naquele momento, o ônibus chegava ao terminal rodoviário do Jabaquara.

Fui sincero ao extremo ao dizer a ela que “infelizmente havíamos chegado”, e tive a agradável surpresa de ouvi-la dizer que não era infelizmente.

- Infelizmente porquê, meu amigo? Em São Paulo, com essa multidão incrível, seremos apenas dois seres anônimos perdidos na multidão. Isto é, se você quiser. Você reparou que não dissemos nossos nomes um ao outro? Que não dissemos nossos estados civis e que não usamos alianças? Que a gente se entrosou muito mais em uma única hora do que muita gente em uma vida inteira?

Eu só balançava a cabeça concordando com tudo que ela dizia.

Quando ela me pegou pela mão e me puxou suavemente em direção a um táxi, não reagi. Deixei que ela me guiasse dali por diante.

Ela deu o endereço ao motorista, nós nos abraçamos, beijamos, trocamos carinhos até que o carro parou à porta de um hotel cinco estrelas apagadas.

Horas e horas depois, quando saíamos do hotel, ela fez questão de me entregar o vidro do perfume que usava, mas não nos dissemos nossos nomes. Éramos, e seríamos sempre um para o outro, apenas Ela e Ele. O perfume era para que eu nunca a esquecesse.

Alguns dias depois resolvi matricular-me em um curso de alemão e enquanto esperava ser atendido senti o cheiro de um perfume conhecido. Odores a gente não esquece nunca, ainda mais relacionados a boas lembranças.

Olhei em volta esperançoso, procurando com otimismo a deliciosa companheira de viagem e não a vi. Enxerguei apenas uma recepcionista feiosa que se aproximava e que trazia consigo o cheiro delicioso. Aspirei-o, saudoso, e ela deu um sorriso profissional:

- Boa tarde, o senhor quer matricular-se ou quer, antes, conhecer mais sobre nosso curso?

- Delícia de perfume o seu, moça. Muito bom mesmo.

- Ah, foi uma amiga que me recomendou. Diz que dá a maior sorte no amor…Gostoso o cheiro dele, não é?

- Ótimo, pra lá de ótimo. Faz bem em usá-lo, moça. Agora, quanto à matrícula…

Coitadinha…Aquela nem com um balde do tal perfume…

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 12/06/2007
Código do texto: T523120
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