A Coleguinha Né. Histórias de Amor Safado

- Coleguinha!! Que maravilha te encontrar aqui na rodoviária!! Eu achei que teria que viajar sozinha até Presidente Prudente. Que bom que te encontrei; né?.Qual é o seu horário de embarque?

- Nove e cinco.

- Ah, que pena; né?…O meu é o das nove e dez. Será que eu consigo trocar? Qual é a sua poltrona?

- Quinze.

- Quinze; né? Vou correr lá e ver se consigo a poltrona ao seu lado; né?. Não vou te incomodar; né?

- De jeito nenhum. Será um prazer tê-la ao meu lado.

Não me animei muito. A japonesinha era bonitinha, mas tinha muito jeito de chata. Daquele tipo que só sabe falar em trabalho, sucesso, determinação, metas atingir, enfim, todo o jeito de futura gerente da empresa e falava mais “né” do que qualquer outro nipônico que conhecera antes. Por enquanto vendedora, como eu, e com produção muito menor que a minha, todos os meses.

Logo depois ela voltou, risonha, satisfeita, com a passagem na mão:

- Consegui!! Vamos viajar juntos; né?. Não é bom a gente conseguir uma boa companhia? A gente pode aproveitar para trocar umas idéias; né? Você pode, se quiser, me ensinar alguns de seus truques de vendas. Como é que você faz para ser campeão quase sempre, enfim, coleguinha, essas coisas que a gente precisa aprender para subir na vida. Você me ensina; né?

- Eu prefiro te paquerar na viagem.

Essa simples frase, de uma sutileza extrema, balançou-a. Pegou-a de surpresa. Até arregalou um pouco os olhinhos rasgados e quase fechados.

- Mas, coleguinha, nós somos casados; né? temos filhos, responsabilidades, não podemos nos envolver assim, sem mais nem menos; né?

- Bobagem. É só você fazer como eu.

- E como é que você faz? Posso saber?

- Quando viajo eu encarno outro personagem. Não sou o profissional de vendas casado, com um filho, de saco cheio com o casamento, e com problemas a resolver. Sou apenas um turista que está conhecendo o interior do Brasil, querendo conhecer belas mulheres, hospedar-me em bons hotéis, comer coisas boas, e, podendo, voltar pra casa com muito dinheiro no bolso.

Ela ficou caladinha, pensando, imóvel e me olhando de um jeito que me fez lembrar aquelas máscaras orientais, de porcelana, acho eu.

Um mais ou menos longo tempo depois, já absorvida por seu cérebro minha proposta implícita na técnica por mim exposta, ela sorriu largamente e disse que achava um boa tática de sobrevivência.

- Sabe que você está certo? Quando entrar naquele ônibus vou me esquecer que tenho um marido chato e implicante, que nunca sei se gosta mesmo de mim, de meus dois filhos que só querem saber de pedir de tudo, da minha sogra que não sai da minha casa, e serei uma turista em férias; né?

- E que tal formarmos um casal de turistas em lua-de-mel?

- Topo. Mas tem uma coisa que eu quero que você faça para mim.

- Diga. Em lua-de-mel eu sou o mais generoso dos mortais.

- Quero que você me ensine a ser “quente” como as brasileiras. De preferência como as mulatas….

- Sumiko…

- Luciana, por favor. Em lua-de-mel eu sou outra pessoa. Luciana é mais bonito e mais quente…

- Luciana, você acaba de pedir uma coisa que posso comparar a uma galinha pedindo a uma raposa que a ensine a ser devorada. Vou lhe ensinar coisas inesquecíveis. Mas preste bastante atenção porque só vou repetir umas quinze vezes cada uma.

Ela riu, deitou a cabeça em meu ombro, deu-me sua mãozinha e partimos para os primeiros beijos. Claro que os beijos foram apenas a primeira parte de um bocado de coisas que conseguimos fazer dentro daquele ônibus, discretamente, até alta madrugada.

Na manhã seguinte, consumindo o farto breakfast do bom hotel em que nos hospedáramos, comecei a ensinar a ela algumas técnicas de venda que davam certo comigo. Ela prestava tanta atenção e absorvia tão bem tudo que eu lhe dizia que pensei que era por isso que os japoneses engolem as vagas nas faculdades. Ela captava a importância de cada frase, do modo de dizer cada frase, e a colocação de cada argumento a cada etapa da venda tentada.

- Quer trabalhar em dupla comigo hoje?

- Claro. Acho que vou adorar ver você vendendo; né?

- Tem outra coisa que preciso lhe dizer: pare com esse hábito de dizer “né” o tempo todo. Isso a prejudica, porquê as pessoas passam, sem querer, a observar os seus “nés” e não prestam atenção ao que mais você diz. E também não me chame de coleguinha. Chame-me pelo nome ou de meu bem, se preferir.

-Deixa comigo…Nem mais um né sairá de minha boquinha, meu bem.

- Boquinha linda, por sinal. E você caprichou nesse meu bem.

- É que você agora é o meu bem mesmo…

Trabalhamos juntos o dia todo e obtivemos um excelente resultado. Ela era perfeita como colega de trabalho. Pegava os catálogos que eu queria na hora certa, abria-os, facilitando minhas demonstrações, puxava o talão de pedidos na hora psicologicamente correta e, principalmente, não se intrometia com argumentos próprios em momentos errados, como fazia a maioria dos colegas com quem trabalhei em dupla. Fiquei encantado. Em dois dias fizéramos a produção de uma semana. E todas vendas boas, quentes, concretas e firmes. Os clientes despediam-se de nós como se fôssemos um casal recém-casado. E nós agíamos com tal. E ela, impressionantemente, não emitiu um único “né” o tempo todo.

Comemorávamos à noite no quarto dela. O meu eu tinha que manter como se estivesse ocupado para evitar problemas com a empresa, caso nosso gerente tivesse a má idéia de nos procurar.

Na noite do último dos dez dias em que trabalhamos naquela bela cidade, eu a notei um tanto quanto diferente. Tanto na cama quanto fora dela. Alguma coisa parecia incomodá-la e achei que podia ser o fato de ter vivido como se fosse minha esposa durante aqueles dias, vinte e quatro horas por dia.

- Abra o jogo, mocinha. O que é que a está incomodando?

Ela demorou um pouco, mas acabou expressando seu pensamento.

- Sabe o que é, meu querido? Eu não sei o quanto ganhei trabalhando esses dias todos e não posso voltar de mãos vazias, sem alguma produção…

- Você ganhou um bocado de dinheiro. Você e eu.

- Mas eu achei que você não me daria nada. Afinal de contas você estava me ensinando a vender. E eu aprendi muito. Só isso já vale um bom dinheiro.

Tive que rir.

- Então você acha que pelo simples fato de lhe ensinar alguma coisa eu teria coragem de exigir de você um trabalho escravo? Você foi ótima aluna, aprendeu tudo muito bem, tornou-se uma colega importante para mim, e acha que vai sair com uma mão na frente e outra atrás?

- Você pensa assim mesmo? Então eu ganhei dinheiro?

- Acho que bastante. Quanto você vinha tirando por mês até fazer essa viagem?

Ela disse a quantia e eu ri com pouco caso para provocar seus brios.

- Vai ver era por isso que seu marido ficava bravo. Com a esposa fora de casa por muito tempo e só trazendo mixaria na volta, qualquer um fica nervoso. Nesta semana você deve ter faturado três vezes mais do que nos meses anteriores.

Ela conseguiu arregalar os olhinhos.

- É mesmo!!

Abri a pasta, tirei nosso grosso calhamaço de pedidos e fui somando todas as vendas. A comissão era bem alta. Hoje em dia não existem mais comissões como as que tínhamos por venda naquele saudoso tempo.

Somei tudo, somei todas as despesas, por ínfimas que fossem, deduzi as despesas das comissões, dividi por dois e mostrei a ela o quanto cada um havia ganhado.

Ela levantou-se da mesa, deu a volta, abraçou minha cabeça e me encheu de beijos.

- Só tem uma coisa que eu quero que você faça, meu querido. Você me dá minha parte quando receber, mas as vendas eu quero que entrem todas no seu nome. Assim você tem mais chances de ser o campeão do mês e ganhar mais prêmios.

- Pra nós dois?

- Não. Só pra você. É um jeito de te pagar pelo que me ensinou.

Aceitei. Era justo. Mas se eu fosse pagar pelo bem que ela me fez…

Voltamos a São Paulo. Fui campeão do mês. Ganhei mais prêmios e logo depois partia para outra viagem. Cheio de saudades dela, que desta vez não me acompanharia.

Cheguei a pensar em separar-me de minha mulher, juntar-me á minha linda companheira oriental e começar com ela uma criação de mesticinhos, mas quando voltei da viagem ela havia ido com o marido, filhos e sogra para o Japão, onde o chato e implicante, segundo ela, havia conseguido um bom emprego. Deixou um bilhete para mim com o meu gerente. Um bilhete no qual incluía muitos e carinhosos beijos e um sincero arigatô.

Sayonara, coleguinha Né.

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 12/06/2007
Código do texto: T523159
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