Orelha não Bebe mais Mel, Mastiga Abelha.

Entre coyotes, putas, copos, cópulas, vórtices e velhotes salafrários, Orelha, como era conhecido, nem sonhava que horas mais tarde comeria algumas abelhas para não morrer. Naquela tarde de maio encheu a cara, pois tinha uma entrevista de emprego em Uberaba. Para isso teve que lavar dois caminhões a fim de que um dos condutores lhe desse carona para aquela cidade, que mal conhecia... Mal conhecia também seu destino próximo de ossos dilacerados.

Enfim, por volta das seis da tarde, assentou seu couro ao banco do lado do Fenemê 74, e desmaiou. Conhecia o condutor, velho motorista de décadas, forte feito um touro, por isso, não pela embriaguez, mas pelo cansaço e pela tristeza, recostou sem pescoço esquálido para trás e apagou. Muito seco e surrado pela existência, Orelha só queria uma oportunidade de trabalho, mais nada. Quatro filhos famintos e uma mulher lhe atazanando os nervos, pensava numa canção de Erasmo.

Acontece que numa ultrapassagem, o velho condutor não viu que outro caminhão vinha ultrapassando sobre a ponte do Rio Sapucaí. Orelha percebeu o estrondo e viu suas pernas arrebentadas e seu corpo para fora dos vidros estilhaçados do caminhão. Caiu ao chão, ponte abaixo, quase sem pernas, ossos e vísceras expostas. Orelha gritava de dor tentando não morrer. Por sorte da dor ou do azar, caiu em cima de um enxame de abelhas que logo se juntaram sobre seu corpo sangrando. Orelha, antigo roceiro experiente, quase inconsciente, mas conscientemente, tapou os ouvidos, pois ouvira que abelha não pode ali adentrar. Resolveu também não esmagar abelhas porque senão todas se ajuntariam e ali seu destino estaria ceifado... Foi mastigando uma a uma, entre um grito e outro, comeu umas doze, até que bons samaritanos pegaram um extintor e livraram o pobre diabo da dor, que perduraria por mais oito meses internado, vinte e sete ossos quebrados, pinos por todos os lados, disforme, mas finalmente vivo e acordado num leito do SUS. Os médicos lhe disseram que se não sofresse com as picadas das abelhas teria morrido de dor. Teve seu corpo anestesiado.

Orelha nunca mais botou um dose de álcool na boca!

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 07/05/2015
Reeditado em 07/05/2015
Código do texto: T5233876
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