Lua-de-Mel...drosa = Histórias de Amor Safado

A maioria dos colegas retornaria a São Paulo naquela noite. Alguns poucos voltariam em seus automóveis, mas a maior parte viajaria de ônibus.

Apenas eu e aquela colega novata ficaríamos naquela cidadezinha próxima ao Mato Grosso por mais alguns dias a fim de tentar resolver muitas e boas pendências deixadas por nós e por eles, os que partiam. Pendências muito promissoras que poderiam transformar-se em ótimas vendas, mas eu mal tivera oportunidade de conhecer a colega ao meu lado, não sabia de sua capacidade profissional e nem mesmo quanto ao seu nome tinha lá muita certeza.

Os colegas nos abraçaram, as colegas nos beijaram, todos nos desejaram boa sorte, e lá ficamos os dois, quase estranhos, lado a lado na porta do hotel, bem em frente à minúscula e maltratada rodoviária.

Vendo-a triste e abatida, resolvi desanuviar o ambiente brincando com ela:

- Enfim sós…

Ela sorriu e percebi que era bem mais bonita do que eu havia reparado até então, mergulhado que estava no trabalho, na ânsia enorme de ser campeão naquele mês e sair do vermelho em algum tempo.

- Chato a turma ir embora…O pior de tudo é que vou ficar sem minha companheira de quarto.

- Quem ficava com você no quarto? Era amiga ou só colega?

- A Débora, minha amigona. Gosto dela, mas a verdade é que tenho pavor de ficar sozinha em qualquer lugar.

Pela maneira que ela se expressou, pela ingenuidade com que me disse a frase, percebi logo que não havia convite implícito ou malícia no que dissera. Apenas me contara um pouco sobre si.

- Bem chato isso. Bem, creio que seja. Quanto a mim durmo em qualquer lugar e a qualquer hora. Até mesmo de madrugada, nos acostamentos, dentro do carro. Não ligo nem um pouco pra coisa nenhuma. Fecho os olhos e “puxo a palha”.

- Deve ser maravilhoso ser assim. Não ter medo das coisas, não se preocupar tanto com a segurança.

- Bom ser assim eu também acho , mas às vezes é meio arriscado. Acho que dou é muita sorte. Tanta gente já foi morta na estrada. É assalto, acidente, um descuido de segundos e “tchau e bença”, mas acho mais arriscado que tudo é dirigir com sono. Aí a gente coloca a própria vida e a dos outros em perigo.

- É. Tem razão…Mas meu pavor maior é o sobrenatural. Tenho pavor de coisas estranhas, esquisitas…

- Vamos tomar um café antes de dormir? Ou prefere beber alguma coisa pra espantar o medo?

- Vamos, colega. Café é modo de dizer. Tomo mesmo é um leite morno. Bebida nem pensar e se tomar um café, adeus sono.

- Seja feita sua vontade. Vamos lá.

Sentamos-nos a uma das mesas do hotel e a simpática funcionária, já conhecedora de meus hábitos, veio com o café no copo.

- Seu Fernando, seu Fernando…só o senhor mesmo pra tomar café pra dormir…

- A moça quer um copo de leite morno.

A funcionária sorriu largamente:

- Ela é normal…

Rimos os três.

Enquanto a funcionária ficou ausente, aproveitei para dar uma idéia à medrosa colega:

- Porquê você não pergunta a ela se não pode lhe fazer companhia à noite? Pode ser que ela more aqui.

- Acho que fica chato. Sei lá o que ela pode pensar de mim…

- Abra o jogo. Diga que tem medo de dormir sozinha, que o quarto é muito grande, que não está acostumada. Quem sabe ela aceita?

Ela fez carinha de quem ia pensar e nisso a moça voltou com o leite morno. Um tanto quanto intrometido, tomei a iniciativa e segurei-a delicadamente a moça pelo braço:

- Menina, você tem um jeito tão simpático que vou tomar a liberdade de lhe pedir um favor.

- Diga, seu Fernando. O senhor também é muito simpático. Pra falar a verdade, o mais simpático daquela turma. Pelo menos me cumprimenta no café da manhã, quando volta do trabalho e quando vai dormir. A gente repara nessas coisas.

- Simpatia, moça, é coisa pra se retribuir. Você é sempre muito gentil com todo mundo. O caso é o seguinte: essa minha colega aqui tem o maior medo de ficar sozinha à noite e o quarto em que ela está é muito grande. Será que você não faria companhia a ela?

- Até faria, seu Fernando, mas não há jeito mesmo. O que é que vou dizer ao meu marido? E além dele, que é grudado e ciumento, ainda tem minhas crianças. E ele tem brigado comigo porquê estou cobrindo a licença-maternidade da outra funcionária ficando aqui de manhã à noite.

- Você já tem crianças? Com essa carinha de criança?

- Bondade sua. Já passei dos vinte, seu Fernando. O pior para sua colega é que todos os outros hóspedes desta noite são homens. Não há nenhuma outra mulher a quem a gente possa pedir que faça companhia a ela.

- Tudo bem, filha. De qualquer maneira obrigado por sua boa vontade.

- Se eu pudesse ajudar..

Ela deu alguns passos em direção à cozinha, parou de costas para nós e resolveu voltar à nossa mesa:

- Seu Fernando, não vá me interpretar mal, mas tive uma idéia. Por que o senhor não faz companhia à sua colega? O senhor fica na outra cama do quarto dela ou ela fica na outra cama vazia em seu quarto. Ninguém a verá entrando porquê já é tarde e já foram todos dormir. E amanhã eu bato no quarto bem cedinho e…

Olhei para a colega e vi que estava em dúvida.

- Você decide, colega. Estou às suas ordens e não ficarei chateado se dispensar minha companhia. Claro que a entenderei.

- Você se importaria de me fazer companhia?

- Se um dia eu me importar de fazer companhia a uma bela moça no quarto, a primeira providência que tomarei será uma operação para mudança de sexo…

Ela sentiu que a brincadeira era sem malícia, apesar da explícita referência a sexo, e sentiu-se mais à vontade.

- Posso ir para o seu quarto? Não gostei nem um pouco do meu.

- Às suas ordens. É só ir chegando e entrando.

- Minha mala é tão pesada…

- É só ir chegando, entrando e esperando pelo carregador aqui presente.

Levantávamos-nos da mesa quando a moça simpática mostrou que mesmo as pessoas simpáticas e prestativas podem ser inconvenientes às vezes. Ou muito convenientes se pensarmos apenas em mim. Depende do ponto de vista.

- Aquele quarto em que você está dá medo mesmo. Tanta gente reclama dele…

A colega demonstrou claramente um pavor antecipado, antes mesmo de saber o que a outra contaria:

- Ai, meu Deus! O que é que há com aquele quarto?

- Nada. Eu mesma arrumo ele todo santo dia e nunca vi nada, mas muitos hóspedes já exigiram outro quarto no meio da madrugada. Sentiam, viam ou ouviam coisas que não contavam, mas ficavam bravos e exigiam outro quarto na hora, sem muita conversa.

- Agora é que eu não entro lá nem pra pegar minha mala. Deus que me livre e guarde.

- Fique sossegada, colega. Irei ao seu quarto e pegarei tudo que estiver lá. Vamos; vá para o meu quarto e me espere lá.

- Não. Não vou desgrudar de você. Você entra naquele quarto e eu fico na porta te esperando.

Entrei no tal quarto assustador, peguei tudo que vi e coloquei dentro da mala, e depois de dar uma revista geral para ver não esquecera nada em lugar algum, voltei ao meu quarto rebocando a pesada bagagem dela.

- Peguei tudo, moça assustada?

- Pegou. Acho que não falta nada mesmo.

- Então vamos para nossa luxuosa suíte.

- Você sentiu alguma coisa estranha enquanto estava naquele quarto?

Eu havia sentido apenas um cheiro leve de mofo, mas achei de bom alvitre (alvitre…ô palavrinha bonita…sempre tive vontade de usá-la.), como eu ia dizendo, achei de bom alvitre valorizar minha “valente” atuação na busca da bagagem:

- Sei lá, pode ser impressão minha, mas minha sensação foi de que alguém não gostou de me ver lá dentro.

A moça ajuntou os peitinhos no meu braço e achei que fosse montar em meus ombros:

- Ai, meu Deus! Que pavor…

O hotelzinho era muito antigo e mal dividido. Os quartos eram realmente grandes e o pé direito da construção era mesmo bem alto. Um tanto quanto assustador para quem já tem dentro de si uma boa carga de medo.

Enquanto ela foi ao banheiro eu tirei toda a roupa, com exceção da cueca, e me deitei. Deitei-me e cobri a cabeça com a intenção de não constrangê-la até que se deitasse.

Ela se demorou e acabei entrando naquele estado que precede o sono, aquele estágio gostoso que parece que o cansaço está saindo devagarinho do corpo da gente. Afinal de contas a gente não pode passar a vida só pensando em sexo quando ao lado do sexo oposto. Amanhã talvez eu pensasse. Hoje eu a respeitaria até em pensamentos secretos.

Saí do estado de sonolência ao ouvir-lhe a voz bem fraquinha:

- Boa noite, colega. E muito obrigado.

- Não há de quê. Boa noite.

Sempre tive o sono leve, mas creio que o fato de ter uma moça dormindo em uma cama próxima à minha, deixou-o levíssimo, suavíssimo, tênue como fumaça de pouco fogo, e acordei de imediato quando ela sussurrou:

- Fernando, você já dormiu?

- Não, menina. O que há?

- Mesmo em seu quarto estou morrendo de medo. Acho que fiquei impressionada com o que a moça falou.

Acendi a luz do meu lado e fui até a cama dela. A cara era mesmo de muito medo.

Sem dizer nada eu a peguei no colo e a levei até minha cama. Depois voltei à cama dela e estiquei bem o seu cobertor. Voltei à minha cama e a peguei de novo no colo. Ela só me olhava e não dizia nada, sem entender o que estava acontecendo.

Coloquei-a em seu próprio cobertor, enrolei-a como se fosse uma criança, e com ela embalada voltei à minha cama e a depositei nela. Ela só me olhava.

Dei a volta em redor da cama, apaguei a luz, ajeitei a cabeça dela em meu peito e cobri a nós dois com o meu cobertor. Ainda bem que estava uma noite fria.

- Pronto. Agora você vai dormir bem sossegada. Se ficar com medo mexa-se que eu te aperto em meu peito.

Alguns minutos depois ela ressonava suavemente, gostosamente, e eu delirava com a proximidade daquele corpinho leve e macio. Só às altas horas da madrugada consegui pegar no sono.

Às seis em ponto nossa amiga funcionária bateu na porta delicadamente. Acordei, cutuquei minha companheira de cama, e disse-lhe que a moça a estava chamando. Ela nem abriu os olhos para responder:

- Diga a ela que muito obrigada, mas daqui não saio, daqui ninguém me tira…

Livrou-se da coberta na qual eu a enrolara, enfiou-se debaixo das minhas cobertas, abraçou-me com vontade e…bem, perdemos o horário do café da manhã.

Deveríamos retornar a São Paulo dentro de dois ou três dias, mas conseguimos arranjar tantas “pendências” que só uma semana depois chegamos aqui.

- E então, moça bonita, aqui em São Paulo você dorme sozinha e sem medo?

- Tranqüilamente. Meu medo só aparece quando tenho vontade.

- Safada…Então está combinado: na próxima viagem você ficará morrendo de medo.

- Pode ter certeza de que estarei tremendo da cabeça aos pés. Apavorada. Adorei aquela idéia de me enrolar na coberta e me levar pra sua cama.

- E eu adorei você se desenrolar e ficar na minha cama.

Vendedor-viajante…Êta vida boa…Que saudade…

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 13/06/2007
Código do texto: T524997
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