Indiferença.

Tarde de sol. Nem muito quente. Nem muito fria. Aquele clima maravilhoso que o outono cria em uma atmosfera tropical.

A casa gostosa localizada entre arvores que delimitavam a rua tranqüila de uma cidade nervosa. Na frente um cercado de madeira pintado de branco e um gramado colorido por um jardim milimetricamente planejado. Coisas de jardineiro profissional. Nas suas laterais algumas frondosas arvores atestando sua grandeza.

Lá as crianças brincavam como se o mundo fosse apenas fantasia. Ora vivia o que se vê em parques de diversões, ora corriam eufóricos atrás de uma bola. Nesse momento um grito de gol ecoou casa adentro. Acredito que cada objeto em repouso nos móveis de seus muitos quartos e cômodos estremeceram. Era a contagiante alegria dos pequeninos...

Eles haviam com nossa permissão, deixado à mesa onde fora servida o almoço. Ah! E que almoço. Dona Maria, a empregada superava-se a cada dia. A carne feita no forno e o arroz marroquino e a lentilha nos impelia para o pecado da gula. As saladas, especialmente a de palmito registrava a fartura.

Minha esposa, uma executiva bem sucedida que jamais esquecia o conselho de seu professor de ginástica com um sorriso comedido demonstrava a sua sutil satisfação.

Sim! Foram anos de suor. Saímos da base da pirâmide social e conseguimos. Trabalho. Trabalhamos muito. Conquistamos a felicidade de acordo com o manual social. Tudo estava perfeito. Tão perfeito que resolvi pegar meu carro da última geração de importados para dar uma volta.

Entre uma vegetação exuberante, rodeada por arvores de Ypes roxos e amarelos seguia pensando na vida. Coloquei fumo importado com aroma de chocolate no cachimbo e deixei os neurônios soltos.

Foi quando comecei a ter a sensação de ser vigiado. Olhei pelo retrovisor esquerdo nada. Olhei o direito e nada. Aumentei a velocidade. A sensação aumentou.

Pisei fundo no acelerador. Neste momento já havia saído da estrada secundária e em alta velocidade deslizava pela auto-estrada. Mesmo correndo risco virei o pescoço para traz na esperança de descobrir meu perseguidor.

Será um fantasma?! Brincadeira de mau gosto seguida de um frio na espinha.

Tranco! Sim, um tranco na traseira. Algo havia acertado a traseira do meu automóvel.

Quase perdi o controle do carro. Respirei fundo no ritimo da dúvida: paro ou não paro!

Não parei. Acelerei mais. Muito mais...

Novo solavanco e as luzes do dia se apagaram – tudo escureceu. Vi meus filhos brincando no jardim. Vi o roxo e o amarelo das árvores de Ypê. A imagem de minha mulher apareceu e se diluiu numa nuvem. Apaguei!

Não sei por quanto tempo fiquei jogado ali embrenhado na mata a alguns metros do acostamento da estrada. Conseguia me lembrar de pouca coisa. Longe de casa. Isto eu estava. Sem dinheiro e cartões de crédito, apenas a identidade no bolso. Sentei e chorei uma boa chuva. Destas que lava nossa alma. E, como toda chuva de verão, esta não durou muito Um sorriso vindo do inconsciente brotou em meus lábios. Minha face surrada se rejuvenesce. Lembro de algo importante! Tiro o tênis com cuidado e o sorriso volta.

Lá estavam duas folhas de cheques que sempre carrego para emergências. Fui para o ponto de ônibus na beira da estrada. Fiz sinal para o primeiro que passou em direção a próxima cidadela. Pedi ao cobrador para passar por debaixo da roleta. No ponto final. Procurei a única agência de carro daquela cidade e comprei um carro fora de linha e bem conservado, uma das marcas que fizera parte da minha juventude.

Peguei a estrada na velocidade máxima. Chequei na hora do jantar. Meu lugar reservado como sempre.

Tentei sem quebrar a etiqueta familiar um primeiro contato. A intenção era relatar os últimos acontecimentos. Pra mim tanta coisa sul real.

O sorriso da esposa. O tradicional cumprimento; tudo bem! E o sorriso dos filhos acompanhado da ansiedade de deixarem a mesa o mais rápido possível.

Eram tão perfeitos com seus gestos que pensei estar vendo um replay de um filme maravilhoso. Indaguei. Esses sorrisos são pra mim?

O dia amanheceu e cada para suas obrigações. A executiva para a empresa, as crianças para a escola. E meu novo carro na garagem estacionado ao lado do Jeep blindado da Vera, minha esposa a trinta e cinco anos. Achei que naquele dia esquisito, ela finalmente faria um comentário. Nem uma palavra.

Procurei munha sombra no chão para sanar a dúvida. Sou invisível? Comprei um carro invisível?

Resolvi quebrar a rotina: entrei no novo possante e fui até um canto da auto-estrada onde se tinha uma bela vista.

Olhando para a mata se via cachoeiras, para estrada: uma corrida sem vencedores.

De repente! Um destes caminhões pesando toneladas vindo a toda a velocidade. Quanto mais perto, mais parecia vir em minha direção. Pensei! Mania de perseguição outra vez.

Ele não vai utilizar o estacionamento, pensei. Utilizou...

__ Meu carro virou atomos retorcidos. Senti-me incrivelmente mais leve! Só voltei para casa quando toda a família lá se encontrava.

Aproximei-me das crianças. Estavam tão entretidas com suas brincadeiras que não me notaram Sussurrei; olá querida! Ela estava tão comprometida com suas contas...

Pensei. Estou morto ou é uma questão de monotonia.

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jaeder wiler
Enviado por jaeder wiler em 13/06/2007
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