Lembranças indeléveis

“Algumas palavras ficaram tão velhas que a minha poesia mais parece missa em latim. As minhas expressões, ah! Tornaram-se tão óbvias que corro imenso perigo.”

Assim pensava Torquato naquela manhã de verão que mais parecia meio dia. Pudera; tamanho calor!

Ele que soube guardar por tanto tempo Dora em seu silêncio, não podia acordar sem a sua lembrança.

Dos confins da memória, Dora vez ou outra aparecia depois se recolhia, sem nunca, porém, sumir. Numa dessas vindas trouxe a imagem dela na praça sentada na mureta esperando por ele à sombra das acácias. A mais linda mulher em que Torquato havia deitado os olhos. Nas mãos, uma muda de "dinheiro em pencas" que lhe deu de presente para atrair prosperidade. “Basta regar todo dia” - disse com voz de carinho. Nos lábios, as cores do arco íris. O vestido escuro de um modelo quase juvenil desenhava o corpo com curvas pronunciadas.

Nessas ocasiões, Torquato ruminava sentimentos de impotência. De total incapacidade de tomar as suas mãos e não deixá-la partir. A constatação da própria covardia, para quem perdeu o seu amor para sempre.