"Morena, Linda, Sensual, de Olhos Verdes" = Romance= Capítulo 1

"Morena, Linda, Sensual, de Olhos Verdes" = Romance= Capítulo 1

Wilson e Orlando passeavam pela calçada à beira-mar em passos displicentes, observando as mocinhas que passavam em direção à praia. Iam imersos em seus pensamentos e quase não se falavam, aborrecidos com a falta de dinheiro do momento, e sem qualquer inspiração para agir. A praia estava muito vazia naquele fim-de-semana de pouco sol e só mesmo o pessoal de fora, para não perder a viagem, tinha coragem de enfrentar o clima quase frio e expor-se em roupas de banho.
Em uma praia vazia é difícil agir sem ser percebido. Quando lotada, apinhada de gente e de guardas-sol, pode-se pegar uma bolsa, um walkman, uns óculos caros, uma pochete ou carteira mal vigiada e, se preciso, sair correndo em ziguezague por alguns metros e sumir logo do raio de visão da vítima. Em geral bastava tirar a camiseta colorida e sentar-se perto de um grupinho qualquer que a vítima, desesperada, desacorçoada, sem a mínimo certeza de a quem estava procurando. Era até divertido de tão fácil.
- E aí, mano? Vamos fazer o quê?
- Sei não, Lando. Hoje eu não estou muito a fim de me cansar. A praia vaziona, quase que só meninada duranga. Nada de coroas com carteiras recheadas…Acho que vou pegar um buzão e ir pra casa dormir.
- Pô, meu!! Lembrei agora de uma coisa importante pacas. Hoje é começo de mês, dia de pagamento dos coroas, das aposentadorias. É só a gente ir pra porta de um banco e ficar de butuca. Quando um dos velhinhos no fim da picada entrar no busão a gente sobe junto, pega a grana na maior moleza e garante a noitada. Vamos lá, Wilson, amanhã é aniversário da tua mina, meu.
- Terminei com a mina, Lando. Não agüentei mais aquele hálito de gambá. E aí, vamos pra Ponta da Praia ou lá pro centro?
- Você que sabe, mano. Tendo velhinho com dinheiro, pra mim tá bom demais.
- Então vamos pra Ponta da Praia. Faz tempo que não apareço lá. No Banespa deve ter um montão de cabecinhas brancas hoje.
Riram e aceleraram os passos. Não estavam tão longe. Mais uns vinte minutos e os dois adolescentes chegariam ao seu destino, mesmo andando devagar para apreciar devidamente as bundinhas forasteiras, tão expostas que pareciam inteiramente nuas na nova moda do fio-dental.

Wilson fizera amizade com Orlando havia pouco mais de uma semana e não queria lhe contar que aquele dia seria seu dia de estréia como punguista. Até então sua experiência na vida do crime resumia-se a pequenos furtos em lojas movimentadas, pegar sandálias novas nas portas das lojas e sair correndo, roubar maços de cigarros de caixas distraídos em bares, roubar dinheiro de bêbados ou arrancar correntes de ouro, relógios e pulseiras de turistas displicentes. Fazia tempo que vinha sentindo vontade de especializar-se em puxar suavemente o que pudesse de bolsos e bolsas dos desavisados. Uns quinze dias antes vira, assombrado, um velhinho de esparsos cabelos cor de neve, encurvado e parecendo muito frágil, agindo dentro de um ônibus. Ficara mais do que assombrado. O homenzinho afanara bolsas, carteiras e dinheiro solto nos bolsos de mais de meia dúzia de pessoas em poucos minutos e ninguém percebera coisa alguma. Ao ver os olhos arregalados de Wilson, de pura admiração, o velhinho sorriu para ele com ar de cumplicidade e continuou sua faina silenciosa e discreta. Ao fazer menção de descer do coletivo, piscou para Wilson como em despedida. Wilson resolveu seguí-lo. O larápio veterano pareceu assustar-se um pouco e ficar em guarda, e o adolescente acalmou-o:
- Calma, tiozinho. Só quero lhe dar os parabéns. O senhor trabalha bem demais com os dedos…Tô abestalhado. Os trouxas não perceberam nada. E o senhor é tão velhinho…
- Velhinho é o cacete, moleque. Você é que é novo demais e não sabe o que seja velhice. Quanto é que você tinha no bolso?
- Tinha, não. Tenho. Dez paus. Porquê?
- Então me mostra tua grana.
Wilson enfiou a mão no bolso e nada encontrou. Examinou depressa os outros bolsos e verificou que estava a zero.
- Não é possível!! Pô, tiozinho…Até minha pouca grana o senhor catou…
- Foi só uma brincadeira, garoto. Você estava olhando demais para mim e tirei um sarro de você. Toma aqui teus dezão e leva mais dois pra tomar um refrigerante.
- Precisa não. Quero só meus dezão pra não ter que ir a pé pra casa. Desci só pra conversar com o senhor. Quero que me ensine algumas coisas.
- Ensinar o quê e porquê, moleque? Isso lá é coisa que se ensine prum menino? Você tem que aprender é na escola. Estudando pra ser alguém algum dia. Pra ser gente direita e ir pra frente na vida. O que aprendi foi nas ruas, nas porradas que levei da vida, das canas duras que puxei. Vi andando. Some. Não me torra o saco que eu não vou lhe ensinar porra nenhuma. Essa é boa…Some, menino, antes que eu fique puto pra valer.
Wilson assustou-se com a braveza repentina do velho punguista e achou melhor não conversar. Virou-se e saiu correndo sem olhar para trás, mas antes disse um tchau tão competente em seu desonesto ganha-pão.
Depois de umas vinte passadas Wilson olhou para trás e viu que o idoso ladrão caminhava a passos lentos pela calçada larga dop Clube de Regatas Santista. Mesmo que frágil figura discordasse, Wilson reafirmou mentalmente que ele era velhinho, bem velhinho mesmo. Velhinho pacas.
Relembrando o que vira no ônibus, Wilson viu o velhinho entrar com uma enorme sacola vazia pendurada no antebraço e, mantendo-a semi-aberta e com as alças separadas, ia colocando ali o que puxava dos bolsos alheios em uma velocidade surpreendente. Putzgrila!! A sacola do velhinho devia estar cheia de grana ainda…Muita grana mesmo. Bastaria um bom tranco naquele esqueleto de cabelos brancos e Wilson teria uma bela féria em mãos. Ladrão que rouba de ladrão…
Mal este pensamento lhe ocorrera e uma garotinha desceu de uma bicicleta, encostou-a em uma parede e entrou alegremente em uma sorveteria. Depois que a garota deu os poucos passos que a separavam do balcão de sorvetes, Wilson montou na bicicleta e saiu em disparada calçada afora, em direção ao velho com a preciosa sacola de alças largas. Foi mais fácil do que imaginara: enfiou a mão esquerda na alça da sacola, sem nem ao menos diminuir a velocidade da bicicleta e levou um tremendo susto. A sacola estava absurdamente pesada e ele ficou sem saber o que fazer. Com dificuldade extrema levantou um pouco a sacola e conseguiu voltar a segurar o guidom da bicicleta, que pendia perigosamente para a esquerda. Não conseguiu alinhá-la a tempo e acabou por meter a cara na grade de ferro de um edifício. Não muito longe do velho.
O encanecido punguista aproximou-se rindo alto.
- Garoto esperto demais; sô!! Quase conseguiu roubar o pedação de concreto que peguei ali atrás para esperar por ele…Ou pensa que não te vi puxando a bicicleta da garotinha? Agora eu vou te pegar e te capar, safado. Pra você aprender a respeitar os malandros mais velhos.
Wilson pulou de lado, levou-se em um átimo de segundo e segundo gostava de dizer, “queimou o chão”. Só parou de correr quando o velhinho virou um pontinho minúsculo lá longe. Bem longe.
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 14/06/2007
Reeditado em 20/07/2007
Código do texto: T526296
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