"O Guru do Filho" = Histórias de Amor Safado =

Logo depois que cheguei à oficina mecânica, o camarada parou o carro dele ao lado do meu, quase encostando um carro no outro. Bronqueei na hora:
- Ô amigo, com tanto espaço sobrando, será que não dá pra você colocar seu carro a uma distância decente do meu?
- Estou atrapalhando?
- O que é que você acha? Se eu precisar entrar em meu carro não vai dar pra abrir a porta.
- E se eu não quiser tirar meu carro?
- Não haverá problema. Eu tiro seu carro.
- Na marra?
- Na marra.
- Essa eu quero ver.
Desafiado, eu não pensei duas vezes: empurrei o sujeito pelo peito, afastei-o do carro e abri a porta do carro dele achando que ele reagiria. Reagiu nada. Ficou apenas me olhando com cara de bravo.
Vendo que a chave estava no contato, virei-a e arranquei com o carro, de marcha a ré, até a rua. Uma mulher jovem e bonita estava sentada dentro do carro.
- Pronto. Agora você pode buscar seu carro e colocar num lugar decente.
Humilhado por minha atitude, acovardado decerto, quis fazer graça para não ficar ainda mais por baixo:
- Acho que o que o senhor queria era dirigir meu carro…
- Era meu sonho, amigo, dirigir o carro de um imbecil da sua marca. Agora eu vou te dar um conselho: pare por aqui esse assunto antes que seja tarde pra você.
Afaste-me em direção ao interior da oficina à procura do mecânico e o encontrei logo.
- Tudo bem, meu amigo? Preciso que você dê uma olhada no meu pau-velho.
- É pra já. O que houve com o camarada ali? Vocês estavam discutindo?
- Não houve nada. Só tirei o carro dele que estava quase esbarrando com o meu.
Enquanto eu e Waldir andávamos em direção ao meu carro a mulher do frouxo saiu da oficina. Pelo modo de andar via-se logo que estava brava. Quase jogara o filho pequeno nos braços do pai e saíra pisando duro.
Fingindo que nada havia acontecido, o camarada cumprimentou o mecânico, expôs seu problema com o carro e logo estava rindo, conversando, cumprimentando todo mundo e exibindo o filho, um menino de seus quatro anos, se tanto. E era com desprezo e pouco caso que eu o ouvia.
Enquanto o Waldir examinava meu carro à procura do defeito, comecei um papo com meu outro amigo, o borracheiro, um profissional decente e honesto, a respeito dos pneus de meu carro.
- Besteira, meu amigo- dizia-me ele- trocar agora pra quê? Seus pneus ainda agüentam umas cinco viagens daqui a Belo Horizonte. Umas cinco, no mínimo. Besteira trocar agora. Se você faz questão, o dinheiro é seu e minha profissão é essa, mas eu não trocaria agora.
Quando eu pensei em elogiar a honestidade de meu amigo, o frouxo chegou com o filhinho nas mãos e interrompeu nossa conversa:
- Diz aí, filho, diz aí pro meu amigo borracheiro o que é que você vai fazer com as menininhas quando crescer?
O menininho, com cara de anjinho barroco, lindo, de olhinhos azuis e cabelinhos encaracolados, era a própria imagem da inocência infantil, mas instruído por aquele retardado mental que era a pai, repetiu, sorrindo, uma frase altamente imoral, sobre sexo altamente explícito, na mais chula e vulgar linguagem possível.
Ao terminar a frase olhou para o pai à espera da aprovação.
O pai riu com gosto.
- Estão vendo, amigos? Tão pequeno e já sabe o que quer da vida. Tô ensinando desde cedo…
Enquanto ele ria, eu e o borracheiro o olhávamos com caras de desprezo total, de indignação por ver uma criancinha sendo tão estupidamente instruída por um idiota mais do que completo.
Ao perceber que agradara tanto quanto alguém que solta um peido no elevador fechado, o sujeito quis explicar-se:
- Não quero que meu garoto cresça com idéias bobas sobre sexo…
Eu ia me manifestar, mas, para minha surpresa, o borracheiro tomou a dianteira:
- Idéias bobas sobre sexo, moço? Pelo jeito o senhor quer é criar seu filho de uma maneira nojenta. O senhor quer que seu filho cresça pensando que as mulheres são apenas objetos de prazer, de trepadas, de gozação. O senhor é nojento.
Aí eu entrei no assunto:
- Bota nojento nisso. Frouxo, idiota e nojento. Isso é coisa que se faça com uma criança que ainda deve acreditar em Papai Noel e em Anjo da Guarda? Com um pai desses, vai longe…Puta que pariu! Nunca vi um pai de merda como você, cara.
Quando ele ia abrir a boca para responder a esposa voltou e quis saber o que estava havendo. Sentiu que o clima não era favorável ao marido.
- Nada, mulher. Não está acontecendo nada que te interesse…
- Está acontecendo sim, senhora. Nós dois, eu e o amigo aqui, estamos dando uma bronca no seu marido.- explicou o borracheiro.
- E posso saber o porquê da bronca, senhores?
Tomei a dianteira, vendo que o borracheiro estava exaltado:
- Esse cretino ensina imoralidades ao seu menino e acha graça no que o coitadinho repete.
- O que é que ele ensinou pra ele dessa vez?
- Não dá para repetir exatamente o que ele ensinou ao seu filho, senhora, mas para que a senhora tenha uma ligeira idéia, o garoto teve que dizer o que vai fazer com as meninas quando crescer. Isso nos termos mais asquerosos possíveis.
A mulher olhou furiosa para o marido e era evidente que se continha por estar na frente de pessoas estranhas. Foi até maneira no jeito de falar com ele:
- Foi a última vez. Foi a última vez. Te juro por Deus.
E mais não disse. Pegou a criança no colo, dirigiu-se à saída da oficina e saiu andando pela calçada.
Alguns minutos depois meu carro ficou pronto e fui embora.
Dois quarteirões adiante vi a jovem senhora com a criança segura pela mão à espera de um táxi. Só podia ser à espera de um táxi, já que não estava parada em um ponto de ônibus. Parei o carro, desci e ofereci-lhe uma carona.
- Muito obrigada, moço. Vou aceitar porquê estou mesmo a nenhum. Eu teria que ir até a casa de minha mãe pra pegar dinheiro e poder pagar o táxi. Não vou incomodá-lo muito?
- De maneira alguma. Entre no carro que a levarei à sua casa.
A moça ajeitou-se no banco da frente, colocou a criança entre nós dois e não fez questão de esconder seu aborrecimento com o marido.
- O senhor vê que absurdo? Um pai ensinar imoralidades a uma criança! Dessa vez ele passou dos limites de verdade. Eu já cansei de avisar que sumiria com meu filho e ele nunca mais nos veria. O idiota não acreditou, agora vai ver que não falei à toa.
- Posso saber o que pretende fazer? Se bem que eu não tenha nada com isso…
- Pode sim, moço. Eu vi que o senhor e o borracheiro ficaram indignados com ele e isso é sinal de que são pessoas decentes. Que respeitam a inocência de uma criança. Qual é o seu nome? O meu é Adriana.
Eu disse meu nome e que dispensava o senhor à frente dele.
Ela dispensou o senhora.
- São cinco anos de casada. Cinco anos idiotas jogados fora. Ele é frouxo, é bobo, é um bunda-mole que quer fazer do filho o que ele não conseguiu ser: um homem de verdade. É tão diferente do que eu, feito uma idiota, achei que ele era nos tempos de namorados e noivos…Que raiva que me dá quando penso que me casei tão iludida…Há de chegar um dia em que os homens e as mulheres se conhecerão bem antes de se casarem, se Deus quiser. Tenho fé em Deus.
Deixei que ela falasse, que desabafasse a raiva que sentia, e fiz bem. Ela falou durante um bom tempo e confirmou tudo que eu pensara a respeito daquele imbecil que não reagira quando peguei o carro dele, liguei, tirei da oficina e enfrentei sabendo, de antemão, que era um banana.
- Ele me dá uma porcaria na vida sexual mas vive contando vantagens e me expondo ao ridículo. Do jeito que ele conta nossas noites eu fico parecendo uma ninfomaníaca que baba por ele todas as horas. Cheio de proezas sexuais, de prazeres maravilhosos, de noites inesquecíveis que conta aos amigos e eu não me lembro de uma única dessas noites fabulosas…
A mulher falava e bufava. E eu apenas a ouvia.

Ela não morava longe. Morava muitos quilômetros adiante do que eu considerava longe e teve uma oportunidade de desabafar suas raivas, suas mágoas, suas decepções e amarguras acumuladas nos cinco anos de casada. Mineiro de nascimento, eu apenas escutava o que ela me dizia.
Quando a deixei na porta de sua casa, ela agradeceu muito a carona, mas agradeceu principalmente o excelente papo que tivemos no trajeto.
- O senhor, digo, você, você foi maravilhoso comigo. Nossa, como eu precisava de alguém com quem desabafar, você nem imagina…Posso pedir seu telefone?
Claro que ele podia pedir meu telefone. Era tudo que eu queria naquela hora.
Ela era bonita, simpática, tinha um belo sorriso e, o melhor de tudo, estava magoadíssima com o marido.

Uma semana depois ela me ligou:
- Graças a Deus acabou tudo bem. Já tenho até a data marcada para a assinatura do desquite. Daqui a três anos poderei pedir o divórcio e meu menino ficará comigo.

Ela levou dois anos e pouco pra se casar de novo. Naqueles vinte e poucos meses de solteirice dela nós dois nos divertimos muito na cama. Que o frouxo havia comprado.
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 14/06/2007
Reeditado em 20/06/2007
Código do texto: T527011
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