Caso Verídico de Premonição/ Autobiográfico

Na noite de 4 para 5 de junho de 1979, tive um sonho incrivelmente detalhado que me pareceu durar a noite inteira, desde a hora em que dormi até o momento em que acordei.
Em um velório um tanto quanto concorrido, vi minha mãe chorando muito e abraçada, ou melhor, amparada por duas de suas melhores amigas, dona Celina e dona Neném, ex-vizinhas dos tempos de São Paulo.
Encostados às paredes do necrotério da Santa Casa de Misericórdia de Santos, em volta do caixão, estavam meus irmãos, muitos amigos da família, alguns amigos recentes, alguns vizinhos dali de Santos mesmo, e muitas outras pessoas que não consegui identificar, talvez amigos apenas de meus pais.
O caixão, que vi com excesso de detalhes, era marrom escuro, bonito, bem feito, com jeito de luxuoso, e com alças tão bonitas e detalhadas que me chamaram a atenção para elas por um bom tempo.
O que eu não conseguia, de jeito nenhum era ver quem estava dentro do caixão. A cada vez que me aproximava o caixão, que parecia levitar, afastava-se depressa não me permitindo ver seu ocupante.
Eu tinha certeza de que era alguém de minha família, mas quem, precisamente, passei por todo o sonho sem saber. Só o que eu sabia era que o sonho, mesmo sem ter sido mencionada, era com referência à moto que eu havia comprado exatamente um mês antes.
Acordei com uma sensação ruim, de muita angústia, sentindo um peso no peito, e passei a manhã toda sentindo arrepios e estremecimentos pelo corpo todo.
Naquele dia, tendo dormido na casa de meus pais e deixado mulher e filho em São Paulo, tive a grata surpresa de ver ali reunidos quase todos meus irmãos, faltando apenas um deles na hora do almoço. Somos em seis e estávamos em cinco à mesa do almoço, além de meu pai e minha mãe.
Meu pai virou-se para mim, risonho, e disse que queria minha moto emprestada à tarde. Ele queria sair nela para comprar um “Chevette” para minha mãe.
Contei então a todos o meu sonho, entrei em detalhes, demorei-me contando e recontando tudo que vira durante a noite, e neguei-me a emprestar-lhe a moto.
- Isso é bobagem, Fernando. Sonhar com morte é saúde, se é que sonho tem alguma lógica. Deixe de besteiras e deixe as chaves da moto aí, filho.
- Mas pai, eu, sinceramente, não gostaria de emprestar a moto hoje. Nem pra você nem pra ninguém. É difícil lembrar-me de sonhos, mas este foi muito demorado, muito cheio de detalhes, e me pareceu um aviso muito sério. Não vou te emprestar a moto hoje não. Espere pelo menos até amanhã, pai.
Mas meu velho era brasileiro e não desistia nunca. Tanto falou, tanto perturbou, tanto insistiu, que acabei cedendo e deixando a chave da moto com ele enquanto eu e meu irmão iríamos à Cosipa retirar o que sobrara da promoção que acabáramos de realizar lá. Minha mãe resolveu ir conosco e embarcou em meu carro.
Às cinco da tarde estávamos de volta e tivemos que esperar por meu pai na calçada. Ele não deixara as chaves do apartamento e minha mãe não tinha cópias. Ficamos na calçada em frente ao prédio batendo papo, contando casos e rindo muito em companhia também de nosso novo amigo Edwar.
De repente o telefone disparou a tocar no terceiro andar, no apartamento de meus pais. Tocava insistentemente, e eu ia sentindo, cada vez mais, uma grande angústia, uma coisa forte apertando meu peito por dentro.
- Mãe, esse diabo desse telefone está me deixando nervoso. Parece coisa tétrica o telefone tocar tanto em uma casa vazia…
O telefone parou de tocar no terceiro andar e começou a tocar no segundo.
- Mãe, a mulher do segundo andar vai chamar um de nós. Isso estava no meu sonho.
A senhora do segundo andar chegou à janela e perguntou se éramos da família do senhor Brandi. Antes que ela desse qualquer recado, corri prédio adentro, voei escadas acima, e fui entrando pela porta aberta da casa dela.
- Pois não…
- Aqui é do Hospital dos Estivadores e…
- Moça, meu pai morreu?
- Eu prefiro dizer que ele está muito mal…
- Prefere dizer que ele está muito mal?
Bati o telefone, desci correndo as escadas, entrei em meu carro e esperei que os outros embarcassem. Só o olhar que lancei ao meu irmão foi o suficiente para que ele entendesse o que havia acontecido e tive que parar o carro para que ele vomitasse muitíssimo.

Naquela madrugada do dia 5 de junho de 1979 eu revi o caixão do sonho e dona Neném e dona Celina amparando minha mãe que, como no sonho, tinha os olhos vermelhíssimos e os óculos escorregando-lhe nariz abaixo. Encostadas às paredes, todas as pessoas que eu antevira durante a madrugada, quando dormia, e o caixão era exatamente igual: marrom, brilhante, bonito, com as mesmas alças que eu examinara com tanta atenção muitas horas antes, admirado com sua beleza. Mas o que mais me impressionou foi que o local do velório era exatamente como em meu sonho, em seus mínimos detalhes, e eu nunca havia ido lá antes, e muito menos à Santa Casa de Santos até aquele dia.
Meu pai vinha em minha moto pela avenida Washington Luiz e uma “Brasília” branca, vinda da rua Dom Lara, entrou direto na avenida e atropelou a moto. Meu pai foi jogado de encontro a um poste e teve morte instantânea.
Durante muitos anos carreguei uma pesada culpa por não ter sabido dizer a meu pai um não definitivo, mais categórico, mas consolei-me aos poucos ao lembrar que ele dizia sempre que se “Deus o ouvisse ele morreria de acidente de carro ou de moto”, e não na cama, com uma ou com ambas as pernas amputadas, conforme os sombrios prognósticos dos médicos que cuidavam de sua falta de circulação sangüínea nos membros posteriores.
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 15/06/2007
Reeditado em 22/07/2007
Código do texto: T527662
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