"O Marido Ideal" = Histórias de Amor Safado"

Em menos de uma hora o colega já havia feito quatro grosserias com a esposa, e todas elas em nossa presença, sem a menor cerimônia. Eu e os outros colegas apenas nos entreolhávamos e engolíamos a raiva. Sujeito cretino…Trazia a esposa para passear, aproveitando que trabalharíamos naquela linda cidade turística durante a semana toda, e a destratava o tempo todo em nossa presença. Sem o menor constrangimento, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Quando todos nós nos sentamos à grande mesa do hotel para o café da manhã, ele e ela sentados à minha frente, ela perguntou baixinho a ele o que ela deveria fazer enquanto ele trabalhava. Claro que ela estava querendo saber a que lugares deveria ir, o que poderia conhecer na cidade, ou se deveria ficar no hotel.
Ele olhou para ela com cara de ódio, com uma impaciência incrível e disse alto e a bom som:
- Putzgrila! Que catzo de mulher que não sabe ficar calada! Só enche o saco o tempo todo.
Não agüentei. Explodi pra cima dele.
- Quem enche o saco é você, cara. Quem torra a paciência de todo mundo é você com essas patadas em sua esposa a toda hora, sua besta. Você está estragando o ambiente da equipe com suas grosserias. A coitada da moça só perguntou o que deveria fazer enquanto a gente trabalha. Foi só isso, seu animal. Custava responder direito?
- Cala a boca, cara. Você está se metendo em briga de marido e mulher…
- Não estou não. Ela não está brigando com você. Ela só leva as tuas patadas e agüenta calada. Você parece que está disputando algum troféu Cavalgadura do Ano, idiota.
- Você já me xingou um monte de vezes, colega. Vou acabar reagindo. E aviso que luto boxe.
- Vai reagir coisa nenhuma. Aposto que é um fraco, um covardão. Estou cansado de saber que a grosseria é a arma dos fracos. Se você der mais uma patada, uma só em sua esposa, eu vou pegar o telefone, ligar para o diretor e pedir que o demita. Você está careca de saber que ele é meu amigo, e que se tiver que escolher entre nós dois, você levará um pé na bunda na hora.
- Faça isso, colega. Faça isso e depois espere pelo que vai lhe acontecer.
- Está avisado. Não tenho mais nada a lhe dizer.
Engoli meu café e sai sem comer mais nada. O cara havia me tirado do sério e a vontade era a de partir pra cima dele e cobri-lo de porradas. Só não o fiz porquê notei, pelo tom de voz, que ele afrouxara depois da ameaça.

Quando minha adrenalina voltou ao normal, o que demorou um pouco, toquei a campainha de uma casa para a primeira das muitas visitas do dia. Eu estava ali para vender e ganhar meu dinheiro, mas fora obrigado a intervir no que não era da minha conta e agora estava com o sistema nervoso abalado.
Que diabo de coisa faz uma mulher agüentar viver ao lado de uma cavalgadura como aquela? Vá entender…

No fim da tarde voltei para o hotel, morto de fome e doido para jantar, esperei pelo resto da turma em uma das poltronas da sala de tevê. Alguns minutos depois estavam quase todos lá, menos o casca-grossa e sua delicada esposa.
- Será que os dois não vão jantar com a gente? – perguntei a uma das colegas.
- Acho que não. Depois que você saiu ele arrancou a esposa da mesa e a arrastou para o quarto como se fosse um saco de roupa suja.
- Será que aquele desgraçado bateu na esposa?
- Eu não quero fazer fofoca não, gente, mas quando fui para o meu quarto ouvi uns barulhos no quarto deles que me pareceram de agressão. Ela chorava baixinho, mas chorava muito, como se estivesse abafando o choro.
- Covarde e filho de uma puta mesmo.
Leandro olhou pra mim com cara de riso:
- O que é que você acha da gente dar um pau naquele cara? Uma surra das boas.
- Por mim, estamos aí.
- Eu também topo.
- Eu ajudo. Sou boa de unhada.
- E eu dou cada mordida de arrancar pedaço.
- Tudo bem, pessoal, mas a gente não pode simplesmente ir avançando pra cima do cara e partindo pra agressão. Temos que reagir provocados por ele.
Todos concordaram e combinamos de observar o casal.
O jantar já estava sendo consumido havia algum tempo quando os dois chegaram à mesa. Ele vinha de cara mais do que fechada e ela estava de óculos escuros.
Ao vê-la de óculos escuros à noite levantei-me, dei a volta na mesa, aproximei-me dela e tirei-lhe os óculos delicadamente. As manchas em volta de seus olhos eram tão escuras quanto suas lentes marrons, quase negras.
- Bateu com o rosto no armário, moça? Algum acidente estranho ou apanhou do animal ao seu lado? Ou levou porradas nos olhos desse crápula que é seu marido?
- Deixe pra lá, moço. Desta vez eu vou tomar providências pra valer. Você vai ver.
O marido agressor olhava-me com raiva, talvez indeciso se devia partir para a briga ali mesmo. Resolvi provocá-lo mais ainda.
- Esses caras muito agressivos com mulheres, moça, geralmente não gostam delas. No íntimo, eles gostam mesmo é de homens. São chegados em um macho, por isso lutam boxe. Pra ficarem bem agarradinhos com outro homem entre um soco e outro.
Cutuquei no ponto exato. O cara ficou de pé em um segundo e me chamou pra briga.
- Às suas ordens, ordinário. Quer apanhar aqui dentro mesmo e depois pagar os prejuízos ao hotel, ou prefere apanhar lá fora?
- Tanto faz, seu desgraçado. Em qualquer lugar eu vou te arrebentar todo mesmo. Você provocou um boxeador profissional.
- Ai, meu Deus! Que medo!! Só agora você me avisa, baitola agressivo?
Mais irritado ainda com a nova provocação, vendo que eu fingia medo para irritá-lo, andou em direção à saída do hotel e olhou pra trás para ver seu estava indo também.
Eu e toda a turma estávamos indo lá pra fora.
Em um minuto estávamos todos no estacionamento do hotel.
Eu e ele no meio do círculo, ele arregaçando as mangas da camisa e eu dando pulinhos em círculos do jeito que vira os lutadores fazendo nas poucas lutas de boxe que assistira até aquela altura da vida.
Leandro levantou meu braço e apresentou-me à platéia:
- No canto direito, Fernandinho Punhos de Aço. Um metro e setenta, sendo setenta centímetros de altura e um de largura, setenta e sete quilos de peso antes do almoço, com vários nocautes em seu currículo. Quase sempre chega meio morto ao fim da luta.
Pensei que ele fosse apresentar só a mim, mas dirigiu-se ao meu contendor e levantou também o braço dele:
- No canto esquerdo, Casca- Grossa Cavalgadura da Silva. Um metro e setenta e um, sendo um de cérebro, oitenta quilos de brutalidade pura, e vários nocautes de mulheres em seu currículo…
O cavalgadura empurrou-o pelo peito, com violência, sem ter a mínimo idéia de que dera início ao próprio massacre. Todos nós, ao mesmo tempo, partimos para cima do camarada e durante vários minutos ele apanhou muito, muito mesmo. Porradas, pontapés, tapas na cara, unhadas e dentadas femininas, batidas de cabeça no cimento, enfim, experimentou de tudo um pouco. Ou muito.
O mais difícil foi fazer as mulheres pararem de bater nele. Eu, Leandro e Edmilson tivemos que empurrá-las com força para que sossegassem o facho.
- Calma, ferinhas. Assim a gente vai acabar respondendo a processo por linchamento.
O marido violento ficou deitado no cimento por um bom tempo, como se estivesse desmaiado, e não havia meio de levantar-se. Talvez com medo de nova surra depois que todos recuperassem o fôlego.
Magali, a mais gozadora da turma feminina, chegou perto dele e nos disse:
- Gente, tô achando que ele morreu. Está com uma cor estranha…O que é que vocês acham? Devo dar um pontapé no saco dele pra ver se ele está vivo? Isso não falha nesses casos.
Em um segundo ele estava se movimentando, mostrando que estava vivo, e logo, a custo, ficava de pé perto de seu carro.
- Agora, ô valentão, você vai esperar aqui mesmo por sua mala e vai cair fora o quanto antes. Se bancar o besta, e der queixa na delegacia, todos nós seremos testemunhas de que todos nós apenas defendemos sua esposa de uma agressão violenta. Todos nós presenciamos quando você bateu nela. As marcas nos olhos dela e no resto do corpo serão as provas.

Acompanhado por todos, o cretino voltou ao hotel, foi ao banheiro, onde se demorou bastante, e voltou, sempre escoltado pela turma, para pegar sua mala na portaria.
Ao sair olhou para a esposa e deu-lhe a ordem de acompanhá-lo.
- Ela só irá se quiser. Você quer, moça?
- Não. Não quero ir com ele de jeito nenhum. Nunca mais quero ver essa cara nojenta em minha vida.
- Vai abandonar seus filhos, sua…sua…
- Olha lá o que vai dizer, cara. Ainda temos energia para um segundo round…
- Não, meu querido. Enquanto você apanhava lá fora eu liguei para minha mãe e pedi a ela que me trouxesse os meninos. Quando você chegar lá, eles estarão chegando aqui.
Um minuto depois o carro dele saiu em uma disparada louca pela avenida de terra, levantando poeira e pedregulhos para todos os lados.
- Sempre cheio de graça…Aposto que vai parar no primeiro boteco, encher a cara e voltar todo valente, cheio de vontade de me bater de novo. E vai voltar armado, com certeza.
- Só se comprar outro revólver no caminho. O que estava no porta-luvas a Magali já se encarregou de pegar. Está aqui comigo o trezoitão.

Todos já estavam em seus quartos, provavelmente dormindo, e eu lia um livro na sala de tevê, àquela hora já desligada, quando a esposa agredida chegou e sentou-se ao meu lado.
- Meu amigo, eu quero lhe agradecer, de todo o coração, a sua intervenção. Você me ajudou muito, muito mesmo. Até mesmo a tomar a coragem de me separar dele de uma vez por todas.
Segurei a mão dela e gostei do contato:
- Explique-me uma coisa: o que é que faz uma mulher tão jovem, tão bem educada e bonita quanto você, agüentar conviver com um animal como aquele? Eu nunca consegui entender essas mulheres que apanham do marido, dão queixa na polícia, e depois voltam para apanhar mais.
- As circunstâncias, meu amigo. As circunstâncias. Ele sabe muito bem o risco que corre quando me agride, mas aproveita porquê sabe que se eu contar a meu pai só o prejudicaria.
- Prejudicaria a quem?
- A meu pai. Acontece que os pais dele têm uma fazenda muito grande. Quando essa fazenda começou a dar prejuízo meu pai apareceu e conseguiu levantá-la. Conseguiu que ela desse muito lucro. A partir daí meu pai melhorou muito de vida e pôde dar uma vida bem melhor para a família. Imagine sustentar seis meninas, que agora já são todas moças e formadas, só com ajuda da esposa. Foi o que ele fez. Nunca admitiu a possibilidade de nos ver pegando em um cabo de enxada. Queria, ou melhor, quer sempre, que as filhas tenham uma vida melhor do que a deles dois. Que se formem, que se casem bem e que tenham vidas decentes. Infelizmente eu caí na lábia desse cretino que foi embora hoje e engravidei dele. Meu pai não disse quase nada. Pegou o jipe, foi até a cidade, embarcou o sedutor no jipe e nos levou, a mim e a ele até o cartório. Casou a gente sem nem perguntar nada a ninguém, nem mesmo aos donos da fazenda, os pais dele.
- Decidido o seu pai.
- Decidido e perigoso. Ele nunca faz ameaças em vão. Se fizer uma jura ou ameaça, ele cumpre. E ele avisou ao meu marido que bastaria uma queixa minha de maus tratos para que eu me torne viúva.
- Perigoso mesmo…
- Meu marido, sabendo que uma queixa minha pode estragar a vida de meu pai, tem abusado. Depois do casamento parecia que ele continuaria bonzinho, bem educado, gentil como nos tempos em que me namorava , mas que nada. Foi só se sentir meu proprietário para começar a me desfeitear na frente dos outros, a me empurrar, machucar por qualquer motivo besta. E hoje, você viu, chegou a me bater de verdade, pra valer. Gostei da surra que vocês deram nele. Um covardão sem vergonha…
- Será que o problema dele não é ciúme?
- Ciúme nada. Ele está pouco ligando pra mim. Critica minhas roupas, meus penteados, meu jeito de falar, meu sotaque, tudo, tudo que pode ele critica. Como se eu fosse obrigada a, logo depois de sair do meio do mato, tornar-me uma madama refinada da cidade de um dia para o outro.
- Querer que você mude? O cara não sabe dar valor a esse seu jeitinho meigo, delicado, natural? A gente procura nas mulheres o que você tem de sobra, moça, e seu marido não sabe valorizar. Uma anta mesmo…
Ela sorriu lindamente.
- Diga de novo sobre o meu jeito. Gostei.
- Meigo, delicado, natural. Você é o encanto em pessoa.
- Tão bom ouvir coisas assim. Eu estava mesmo precisando disso.
Sorrimos um para o outro e vi que ela percebera que eu falara com sinceridade, sem intenção de paquerá-la. Ela era realmente um encanto de mulher jovem.
Nossa conversa havia sido longa, bem mais longa do que o relatado até aqui, e no dia seguinte eu teria que sair antes das seis da manhã para ir até São Paulo e voltar a tempo de fechar duas vendas pendentes.
Levantei-me e segurei de leve sua mãozinha.
- Vamos dormir? Acho que está em boa hora.
- Vamos.
Ela me acompanhou, com a mão em minha mão, e fomos para os quartos. O dela ficava duas portas adiante do meu, mas assim que abri a porta de meu quarto ela entrou também. Por aquela eu não esperava, mas que gostei, gostei. E ela, depois, disse que também havia gostado muito.
Como meu pai sempre dizia: em mulher não se bate nem com uma flor.
Principalmente nas especiais, acrescento eu.
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 15/06/2007
Reeditado em 20/06/2007
Código do texto: T527676
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.