Nas ondas do Rádio

O senhor João era ouvinte assíduo da rádio 112,1, programa de a Onda Tropical. Assim, a partir das 19:hs lá estava ele com o rádio ao ouvido até a zero hora. Era o show de boleros, que ele adorava cujo apresentador era Ray Carlos, aquele que se intitulava “o eclético da rádio”.

Como anônimo ouvinte, o senhor João seguia a programação e aí de quem tentasse mudar a estação, mesmo parecendo dormir, ele logo acordava dizendo:

- Hei moço não toques nesse rádio, que eu estou ouvindo a canção.

E se alguém reclamava do locutor ele replicava:

- Você é que não entende de nada. O Homi é um talento e tem bom gosto.

Passando alguns dias, o seu neto, Firmino, a beira de uma lanchonete, que ficava nas proximidades da bendita rádio, encontrou Manoel, funcionário da rádio e que era amigo de infância, mas que há muito não se encontravam. E aí começaram uma prosa, que findava na tarde, quando o acaso os envolveu com nada mais nada menos , que o “o eclético da rádio”. Ali de passagem, fora tomar uma boa sopa, com suco de graviola. E Manoel, que era bem relacionado falou com o radialista de uma forma pessoal, apresentou o amigo, com uma pergunta:

- Você conhece esse cara?

Desavergonhadamente Firmino falou:

- Claro é o mais famoso locutor da cidade.

- Ele não é...

- Isso mesmo, o “o eclético da rádio”, em carne e osso.

O humilde locutor quis saber sobre o alarde envolvendo o seu nome e Manoel, sem se fazer de rogado explicou que o avô de Firmino era fã incomedido do seu programa e também do locutor. Ray Carlos deu uma risada e se assentou ao lado dos rapazes para jogar conversa fora. Conversa vai, conversa vêm, os três tomaram sucos e comeram algumas frituras. Muito lisonjeado Ray Carlos informou que precisava ir, visto que iria apresentar o programa, mas antes, falou que queria conhecer o senhor João e também naquele dia, iria mandar um abraço ao avô de Firmino, cujo neto, identificou o velho, carinhosamente como o senhor “Bico Doce”, pois ele só vivia assobiando.

Ray parou e a meio metro perguntou:

- Manoel ele gosta de ser chamado dessa forma.

O rapaz respondeu:

- Ele até fica orgulhoso.

- Outra coisa, qual a música que ele gosta?

-Ah é aquela, Força do Amor, de Silvio Silva.

- Então pode deixar que eu lembrarei e farei uma homenagem especial e depois a gente combina para eu conhecê-lo.

Ray Carlos se despediu dos rapazes e segui aos seus afazeres. Enquanto isso seu João, estava no velho sofá deitado com as pernas, uma no chão e a outra no espelho do sofá, em seu quartinho pequeno. Com o Rádio a esquerda, um bule com café e um farinha de tapioca. Aquele ar cansado de aposentado, que foi sugado até a alma e agora só queria ouvir as músicas que marcaram a sua época, para enfim, rejuvenescer e viajar nas ondas do rádio.

Enquanto o seu neto eufórico, se despedia do amigo de infância as carreiras, pois queira agora era contar para o seu avô o acontecido e com certeza, queria estar por perto pra ver a cara daquele sexagenário, quando o locutor o homenageasse ao vivo.

Exatamente as dezenove horas começou o programa e Firmino contando o tempo estava na parada esperando o lotação, que há horas segundo outros passageiros a espera, não passava e a certeza era, que quando chegasse estaria no “salve-se quem puder”, pois estaria lotado.

Com uma hora de apresentação Ray Carlos resolveu homenagear o seu João e mandou a música oferecendo aquele trabalhador aposentado, dizendo ainda o locutor, que como muitos trabalhadores anônimos com a força do amor ergueram o país das entranhas da selva, enobreceram a sua história, sedimentaram a riqueza alheia e mesmo sem ter o suor, as lágrimas e o sangue devidamente reconhecidos. Aqueles homens amaram a uma mulher e tiveram em seu tempo, mesmo com as dificuldades, os seus momentos de alegria. Haja vista, estarem aposentados procurando na música o aconchego espiritual de uma era de ouro e que ele, como locutor, os admirava e em especial o senhor João “Bico Doce”, que ele como locutor das noites, queria conhecer. Finalizada tal declaração no ar, o senhor João estava petrificado no sofá, que era a sua cama, com um sorriso agradecido e as lágrimas nos olhos como última palavra naquela vida.

Como um furacão, a vizinhança, seus outros netos, filhas e o seu neto Firmino adentrava a casa do seu João para parabenizá-lo, para vê-lo e sentir de perto como ele recebera aquela homenagem, mas para surpresa de todos já o encontraram morto e o rádio solto tocando a Força do Amor.