"Morena, Linda, Sensual, de Olhos Verdes" =Romance = Capítulo 3

"Morena, Linda, Sensual, de Olhos Verdes" =Romance = Capítulo 3

Mal o camburão com o coronel sumiu de vista os policiais acharam por bem dar mais uma caprichada na surra. Mas sem exagero fatal.
Estava quase amanhecendo quando Wilson conseguiu recobrar os movimentos. Passara muitas horas em uma grande confusão mental, sem saber que os pontos brilhantes que via ao longe eram estrelas e que a estranha barulheira era da fauna noturna do matagal onde fora deixado. Logo que abriu os olhos custou a entender que não estava em sua casa, em sua cama, em seu quarto. Que estava no meio do mato, encharcado de orvalho, com corpo todo extremamente dolorido. Dolorido a ponto de não poder mexer sequer um dedo sem que um raio parecesse atingi-lo. Parecia ter várias pedrinhas na boca. Logo mais percebeu que eram seus dentes da frente, que quase engolira. Ficou ali deitado, chorando de dor por muito tempo. Não havia pedaço de seu corpo que não doesse muito, muitíssimo. O coronel e os policiais haviam caprichado mesmo na surra. Apanhara feito gente grande e ficaria ali deitado até que sentisse forças para levantar-se e arrastar-se até sua casa ou até a Santa Casa de Misericórdia de Santos.
Muito tempo depois conseguiu apalpar as pernas e percebeu, com alívio, que não estavam quebradas. Considerou-se com sorte. Os braços também, apesar da quantidade de hematomas, também não estavam partidos. Mas os dentes da frente perdera todos. Logo seus dentes que tanto orgulho lhe causavam…As meninas diziam que seu sorriso era lindo, que combinava muito bem com seus grandes olhos verdes e com sua pele morena. Voltou a chorar amargamente e lembrou-se, com muita raiva, do desgraçado do tio Almir. O diabo do tio vivia avisando a ele que pungar não estava com nada. Que jamais entrasse nessa idiotice sem futuro. O negócio, o negócio mesmo, era e sempre foi o estelionato bem feito. Ele, o tio Almir, jamais fora preso, nem mesmo depois do maior de seus golpes, o do consórcio que lesara muitas centenas de pessoas de uma só vez. Já o pai dele, o Waldemar, volta e meia encarava uma cela. Agora o tio riria dele, mais uma vez com motivos de sobra. Podia até ouvir a voz do tio aconselhando e rindo:
- Menino, no crime você só tem dois caminhos bons a escolher: o estelionato ou a política. Bater carteira já era. Quem carregaria uma fortuna na carteira? Pungar dá pouco resultado e é perigoso. Coisa de mané. É perigoso, arriscado, exige treino diário e constante. Punguista tem que ser melhor que pianista no uso dos dedos. E você não tem jeito pra música. Não toca nem rádio direito. Se você quer se dar bem no crime, escolha o estelionato. Mas não se esqueça: quanto mais estudar, melhor. O bom estelionatário é culto, preparado, versátil e eficiente. O nível universitário, na pior das hipóteses, dará direito a cela especial. De ladrãozinho barato na família já chega o seu pai, aquele incompetente. Tão incompetente que vai preso até mesmo antes de praticar o crime.
Sentindo-se muito mal de tanta fome e frio, Wilson conseguiu, a duras penas, chegar em sua casa, depois de arrastar-se sofridamente por várias horas. Na Santa Casa ele teria que explicar o que lhe acontecera e ele não estava com a menor vontade de inventar mentiras complicadas.
Felizmente não havia ninguém na casa àquela hora e ele conseguiu tomar um banho demorado depois de alguns copos de leite quente com chocolate antes de se deitar. A mãe morreria de susto se o visse naquele estado, parecendo ter sido atropelado por um trem, acreditava ele. Seus lábios estavam cortados e inchados ao extremo e a região dos olhos parecia ter sido pintada de um roxo quase negro.
Nos vários dias que levou para restabelecer a saúde e a aparência, Wilson elaborou mil planos de vingança contra o coronel. Não o deixaria vivo de maneira alguma, jurava a si mesmo, mesmo que levasse muito tempo e lhe desse muitas despesas. Na cama, sem poder “trabalhar” ou mesmo sair do quarto, teve tempo de sobra para estabelecer suas prioridades para o futuro. A primeira coisa seria localizar o tal coronel; a segunda vingar-se dele; a terceira, mais importante e sacrificante seria voltar a ser um bom estudante.
Estava firmemente decidido a seguir os conselhos do tio Almir. Seria um refinado e competente estelionatário com nível universitário quando atingisse a idade adulta. O melhor na “profissão”. Bom a tal ponto que nunca mais levaria outra surra igual àquela que o prostrara por tanto tempo. Nunca mais. Ladrão rico e competente, do tipo que sabe fazer com que lhe entreguem o dinheiro sem o uso de violência, e sem ameaças, não apanha de ninguém e até mesmo, sabendo trabalhar extremamente bem, passa a vida inteira sem conhecer o interior de uma cela. Wilson admirava profundamente, e até mesmo considerava seus ídolos, alguns políticos e empresários brasileiros. Um deles, um coroa baixinho, político federal “ganhara” centenas de vezes seguidas em uma das modalidades de loteria da Caixa Econômica Federal e assim explicava a imensa fortuna que acumulara em seus mandatos ( e ainda teve a tremenda desfaçatez de explicar em cadeia nacional que Deus olhara por ele e que da Pasta que ele cuidava o dinheiro era sagrado.) Esse era um dos que ele admirava muito mesmo. Um espetacular exemplo a ser seguido por toda a vida. Outro era o construtor que lesara mais de quarenta mil clientes de seus empreendimentos imobiliários, seguido de um que construía com areia da praia seus prédios para venda. Gente fina, finíssima, inteligente, que mesmo passando por alguns aborrecimentos durante algum tempo, levava vida de marajá. Nunca mais enfiaria seus preciosos dedos em um bolso qualquer, de um durango da vida qualquer que andasse de ônibus. Era mesmo muita estupidez, muita criancice de sua parte…Maior vergonha que roubar e não poder carregar é tentar roubar e apanhar em público.

Só quase um mês depois da surra Wilson voltou a sentir-se em condições de retornar à vida normal.
A primeira coisa que fez foi procurar um dentista em São Paulo e combinar o serviço da reposição dos dentes. Teve que voltar em outro dia, acompanhado da mãe, porquê o dentista não aceitou tratar de orçamento com um menino.
O profissional cobrou caro, mas realizou um bom serviço. Tanto o dentista quanto o protético por ele indicado trabalharam muito bem. Nem pareciam postiços os novos dentes implantados nas gengivas de Wilson.
Sorridente. o dentista recebeu os vultosos cheques pré-datados passados por dona Elvira, nome que a mãe de seu cliente usava na ocasião, e marcava as novas consultas de olho no decote da ainda jovem e belíssima mulher.
Olhando para aquele lindo rosto feminino, risonho, franco, sincero e deliciosamente delicado, o dentista jamais imaginaria que os cheques pertenciam a um talão roubado por Wilson meses antes, e que ela agora utilizava sem o menor receio ou cerimônia. Elvira, que na verdade se chamava Eliane, causara excelente impressão ao odontologista ao pagar em dinheiro vivo, antecipadamente, o valor do primeiro dos cheques que dera:
- Detesto dever, doutor. É o que mais detesto nessa vida. Acho que antes que o senhor acabe o tratamento já terei quitado todos os cheques.
- Não se preocupe, dona Elvira. Está na cara que estou lidando com gente boa. A senhora não quer aproveitar e dar uma olhadinha em seus dentes também? Eles são muito bonitos, mas sabe como é: prevenção não faz mal a ninguém.
- Depois que o senhor acabar de tratar do menino, doutor, a gente conversa. Agora vou deixar o senhor trabalhar em paz.
Wilson não gostava de ficar sozinho na cadeira de dentista e a mãe ficava postada ao seu lado. Cruzava as belas pernas ao sentar-se na cadeira dentro do consultório, ou abaixava-se para “dar uma força” ao filho, exibindo os seios, fazendo subir a adrenalina do homem a cada movimento revelador.

O filho lhe contara, no dia seguinte ao acontecido, sobre a surra tremenda que levara do tal coronel e depois dos policiais, ainda por cima. Sem a preocupação de esconder o que provocara a agressão. Eliane ficara brava porquê ele fora inábil e se deixara apanhar em flagrante, igual ao idiota do pai e não porque filho tentara roubar de alguém.

Logo após a última visita ao dentista Eliane sabia exatamente o que fazer com relação ao tal coronel justiceiro. Wilson faria exatamente o que ela mandasse e os dois ficariam felizes com o desfecho da vingança.

Alguns dias depois Wilson encontrou Orlando e foi tirar satisfações:
- Sacana do cacete!! Você, ô meu…gritando pro cara me matar junto com a turma toda do fundão…filho de uma puta…
- Pô, Wilson; você é amador mesmo, cara; Eu incentivei a bagunça, fiz a turma gritar e enquanto isso “limpei” muita gente durante a bagunça. Ia até dividir contigo a bufunfa, mas tu sumiu do mapa, cara. Pensei que o tal coronel tinha matado você, chapinha. Não te procurei em casa porquê tu amoita teu mocó, meu.
- Quase que o desgraçado do coronel acabou com a minha raça, cara. Mas o que é dele tá guardado. Tá bem guardadinho. Eu não dou endereço porque minha mãe é gente fina, elegante, mas esperta pra cacete. Se ela olhar tua cara, ela diz logo quem tu é.
- E quem é que eu sou, seu corno? Sou pior do que você, seu puto?
- Não é isso. Se ela te ver vai achar que é má companhia pra mim. Vai me torrar o saco todo dia, o dia todo.
- Deve ser uma puta fresca esse catzo da tua mãe.

Continua amanhã.
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 16/06/2007
Reeditado em 20/07/2007
Código do texto: T528887
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