"As Gêmeas" = Histórias de Amor Safado

Nosso estimado amigo, o gerente de nossa equipe, avisou-nos antes da reunião que três novas colegas seriam apresentadas à turma naquele dia. Avisou e deu outro aviso em cima:
- Veja lá, pessoal. Nada de deixar as novatas sem graça, embaraçadas, como da última apresentação.
Todos nós olhamos para a “última apresentação” e rimos. Àquela altura ela já havia nos perdoado as brincadeiras, tornara-se uma veterana, e estava pronta para vingar-se nos próximos novatos.
- Repita, prezado senhor gerente. O senhor disse mesmo “novas” colegas? Não há nenhum espécime nojento do sexo masculino entre a turma nova?
- Nenhum. Só as três moças que terminaram o curso.
- Folgamos em saber…- disse eu.
- Forgamo sim – ecoou o Lípolis.
- Forgamo pra cara..,tamba…concluiu o Romero. Essa equipe só tem três machos, doze veados e dez muié. Tá na hora de dar uma renovada na coisa.
Os doze ditos veados manifestaram-se ruidosamente.
Eu fiquei quieto, achando que estava incluído na lista do Romero como um dos três machos. Ilusão desfeita quando ele bateu em minha cabeça e avisou:
- O mais veado de todos está bem quietinho aqui.
O ambiente na equipe era sempre assim. Sempre cheio de brincadeiras, gozações, palhaçadas e, felizmente, muitas vendas todos os meses. Com exceção do começo do ano, é claro…
As novas vendedoras demoraram um pouco a voltar da sala do diretor e a turma resolveu manifestar-se batendo os pés e gritando:
- Queremos as muié…. Queremos as muié… Queremos as muié…
Das outras salas, das outras equipes daquele território, vieram os psius que de nada adiantaram. A gritaria só aumentou.
Aumentou até que o diretor, em pessoa, colocou a cabeça dentro da sala, encarou um por um e perguntou o que estava havendo.
Lípolis, o mais descarado e gozador de todos, respondeu sério:
- Deve estar havendo algum engano, eminentíssimo senhor diretor. Creio que o ruído vem da sala ao lado, se bem que eu não deseje passar por alcagüete…
Ninguém agüentou segurar o riso e as gargalhadas explodiram de uma só vez.
O diretor saiu rindo, satisfeito por estar lidando com uma equipe feliz e sempre pronta a brincar, mas que levava o trabalho a sério quando em atividade.

A primeira das três novatas a apresentar-se à frente identificou-se como professora de literatura formada pela Universidade de São Paulo. Uma apresentação de peso, tendo em vista o imenso conceito da Universidade. Razoavelmente simpática; razoavelmente atraente; razoável, enfim. Enunciou seus títulos acadêmicos, falou sobre sua experiência de vida, escondeu a idade, mencionou sua grande vontade de subir na vida, e logo depois voltava a seu lugar. Meu julgamento, íntimo, foi:
- Falsidade ideológica. Vê lá se uma professora formada pela USP diria “então a gente fomos…”. Duvido muito. Bem, dou um desconto: falar na frente de vários estranhos não é fácil. A gente fica nervoso, perde a naturalidade e pode até cometer uma barbaridade dessas. Deixo o julgamento sobre ela, como colega, para depois. Bem depois.”
Assim que ela se sentou, o gerente fez uma breve prévia antes da próxima chamada:
- Meus queridos…
- Lá vem bajulação… (Lípolis)
- “Meus queridos”…esse gerente eu acho que é chegado num…deixa pra lá. (Romero)
- Meus queridos amigos, calem a boca e deixem-me apresentar o que considero uma verdadeira raridade em uma equipe de vendas…
- Um vendedor de três pernas?- Lípolis de novo.
- Uma coisa que raramente acontece quando a gente faz a seleção dos novatos…
- E aí entra qualquer pé-rapado que queira trabalhar aqui, que “nem que eu”…- (Romero)
O gerente, já acostumado com a turma, esperava as risadas cessarem, pacientemente, e continuava:
- Pela primeira vez selecionei, ao mesmo tempo, duas irmãs. Duas moças simpáticas, bonitas, inteligentes que querem trabalhar juntas…
- Vai dar cada quebra-pau….- alguém lá no fundo.
- Apresento a vocês Elvira e Elzira…
- Dupla caipira? Até dupla caipira estão contratando agora? Vão cantar o quê? Detesto sertaneja. Pode ser bossa nova?
- Lípolis, por favor, cale essa boca e deixe que as moças apresentem-se à turma.
- Já calaboquei, chefinho.
As duas moças chegaram juntas à frente, apresentaram-se com graça, inteligência, jogo de cintura, naturalidade, e fizeram a turma rir quase que o tempo todo em que estiveram ali, enfrentando uma cambada de gozadores.
Percebemos logo que eram duas gozadoras calejadas, vividas, inteligentes nas respostas, e com uma tremenda facilidade de expressão. Além de um português gostoso de ouvir, de tão limpo e bem falado que era.
Batemos palmas por um tempão quando as duas retornaram a seus lugares. E depois os gritos:
- Tô apaixonado !
- Vão trabalhar só comigo!
- A da direita é minha.
- Eu prefiro a do meio…

Sempre que havia novatos na equipe o gerente pedia a cada um dos veteranos que saísse com um deles. E sempre havia dificuldades em conseguir isso. Daquela vez houve até disputa para ver quem levaria uma das irmãs consigo. Fiquei na minha e não me manifestei.
O gerente, querendo resolver a coisa salomônicamente, pensou por algum tempo e resolveu que as duas sairiam com o campeão do mês. Seria o melhor para elas.
Foi o melhor para mim. Por meio ponto a mais que o segundo colocado eu era o campeão daquele mês.

Quando nós três saímos da empresa, eu ladeado por duas simpáticas beldades, fui em direção ao estacionamento pegar meu carro.
- Onde você vai, colega?
- Pegar meu carro, é claro.
- Bobagem, deixe seu carro onde está e vamos no nosso.
- Tudo bem. Por mim não há problema, desde que me tragam de volta aqui no fim do dia.
- A gente trazemos- disseram as duas ao mesmo tempo, imitando até a voz da colega professora de literatura formada pela USP.
Ô delícia, meu Deus, orientar, ajudar, ensinar, transmitir um pouco de nossa experiência a duas pessoinhas legais, finas, inteligentes, gozadoras, boas aprendizes e que, além de tudo, sabiam rir e fazer rir pra valer.
Nosso dia de trabalho foi simplesmente maravilhoso. Rimos, conversamos, discutimos, contamos casos, piadas, mentiras escabrosas, e ainda conseguimos tempo para voltar com resultados. Com boas vendas bem feitas.
Ao beijá-las em despedida na entrada do estacionamento declarei formalmente que estava apaixonado pelas duas, com a mesma intensidade. As duas me abraçaram ao mesmo tempo e se declararam, gozadoras, igualmente apaixonadas.
Fui pra casa sentindo aquela gostosa sensação que traduzida em poucas palavras é: vale a pena viver quando se conhece gente assim.
Que sarrinhos as duas!! Que diferença de minha mulher que só ria de uma piada quando a gente fazia sinal de que já era a hora de rir! Moças alegres, vibrantes, brincalhonas, sarristas, inteligentes, cultas, e sei lá mais o que de bom…Tesão total em dose dupla, eu teria dito se naquela época essa expressão já existisse ou fosse usual entre nós, brasileiros.

Em pouco mais de duas semanas de empresa, as duas já podiam ser consideradas veteranas e foram escolhidas, depois que se auto-escolheram e se impuseram, para a primeira viagem para fora da capital, e o gerente teve a feliz idéia de formar várias mini-equipes e mandar cada uma delas, de três vendedores apenas, para uma cidade diferente. A idéia era que fizéssemos uma disputa interna: mini-equipe contra mini-equipe em prol da equipe inteira. Objetivo final: campeonato Brasil do fim do ano.
Claro que nós três, eu e as duas irmãs, formamos nossa mini-equipe e não aceitaríamos que o gerente metesse o bedelho. Ou iríamos os três juntos ou simplesmente ficaríamos em São Paulo. Tínhamos autonomia para isso, pois as viagens não eram obrigatórias.
Fomos. E fomos no belo carro novo que pertencia às duas. Eu de motorista.
As duas ou três primeiras horas de viagem, das mais de doze que teríamos pela frente, transcorreram em um clima normal, agradável e sereno. Conversamos sobre tudo: família, criação, casamento, irmãos, cachorros, gatos, hobbyes, música, literatura, poesia, jornalistas, política, esportes, vida alheia, e mil outros assuntos. Quanto mais falávamos mais gostávamos do que dizíamos e ouvíamos, e em cada parada uma delas trocava de lugar com a outra. E era minha mão na perninha, bracinho, na mãozinha, ou simplesmente de mãos dados, carinhosamente.
Nenhum de nós talvez tenha percebido em que altura partimos para o humor. Do humor suave e quase sem graça a coisa foi evoluindo, tomando corpo e mudando de graduação. Do suave ao leve, do leve ao mais pesado um pouquinho, , daí ao pesado, deste para ao escrachado, e nesta altura ríamos desbragadamente. Às vezes até mesmo sem controle algum. Não conseguíamos parar de rir mesmo que o quiséssemos.
Para completar, parece que tudo ajudava para nos fazer rir. Quando parei em um posto de gasolina para abastecer, com a janela já toda aberta, um cachorro enorme levantou-se nas patas traseiras, enfiou a cabeça pra dentro do carro e deu uma demorada olhada nas caras dos três ocupantes e finalmente encarou-me fixamente.
Olhei sério para aquela cara enorme e disse:
- Meu amigo, sua esposa desceu do carro no posto que ficou pra trás.
O cão voltou ao chão e tomou a direção que indiquei a ele com o dedo.
Completei, imitando o personagem “Seu Saraiva”:
- Ele acreditooou…
As duas passaram até mal de tanto rir , e o frentista ficou com a mangueira na mão, olhando com cara de aparvalhado para dentro do carro. Não sabia se riam dele.
- Não liga não, moço. Elas são assim mesmo. Não podem ver um homem segurando a mangueira que ficam meio doidas.
Não sei qual das duas, ou se foram as duas, mas que o banco ficou molhado de xixi, ficou. Isso eu vi com meus próprios olhos e cheirei com meu próprio nariz.

Feitas as apresentações, vamos à história de amor safado propriamente dita: assim que chegamos à cidade recebemos um aviso de que deveríamos ligar para o gerente. Peguei o telefone do hotel que escolhemos e pedi a ligação dizendo às duas:
- Vou saber logo o que é. Pode ser notícia boa. Que minha sogra empacotou, que minha mulher fugiu com outro, essas grandes felicidades da vida…
Até o da portaria riu. De intrometido. Minhas gracinhas eram só para as duas.
- Fernando, pensei melhor, meu amigo, e mandei mais uma mini-equipe praí. Essa cidade é muito grande só pra vocês três.
- Quem é que está vindo?
- O Romero, o Lípolis e a Sandrinha.
- Dois veados e uma sapatinha. Jóia. Isso aqui vai ficar bom demais. Tchau e benção, gerente do meu coração.
- Meninas, olhem só quem está vindo pra cá: Romero, Lípolis e a Sandrinha.
- Que legal!! Logo os dois juntos e mais a San. Vai ficar bom demais trabalhar aqui.
- Tudo bem, mas quero dar um aviso delicado às duas: nada de assanhamento para os lados do Romero e do Lípolis. Se eu perceber qualquer coisa, haverá cenas de sangue em um bar da avenida São João. Vocês são minhas. Todas duas. Estou pensando em ir a São Paulo, pedir um divórcio expresso e pedir as mãos das duas em casamento.
- Eu topo.
- Eu também. Nunca deixaria minha irmã sair sozinha em lua de mel com um tarado.
- Nem eu, maninha.
Rindo ainda, fomos direto lavar as mãos para cair de boca no jantar que já cheirava longe, denunciando uma comida de primeira.

Na manhã seguinte contamos uns aos outros que havíamos dormido feito pedra, caído em sono profundo mal colocáramosm as cabeças nos travesseiros.
- Também, né? Quatorze horas de viagem de carro…Não é pra qualquer um não…
- Motorista tartaruga...Eu teria feito em dez horas essa viagem.
- É mesmo? E parando toda hora para duas marias-mijonas correrem para o banheiro? Queria ver fazer em dez horas. Além do mais eu não sou trouxa, meninas. Ganhei quatro horas a mais de companhia de duas coisinhas lindas.
As duas me deram beijinhos de bom dia e saímos um para cada lado em busca de vendas.
Quando voltamos para o almoço nossa mesa já estava ocupada pela metade. Romero, Lípolis e Sandrinha já esperavam por nós.
- Canalhada! Que prazer vê-los !! Já pediram?
- Nós já pedimos, mas a Sandrinha não quer dar de jeito nenhum…
- O almoço, cretino, o almoço.
- Não precisa pedir. O cara aqui é inteligente. Ele vê a gente na mesa de almoço, com um prato na frente, talheres nas mãos e cara de fome, logo ele deduz: eles querem almoçar. Aí ele traz a comida.
- Romero, uma vez eu li uma frase que era mais ou menos assim: se as pessoas dissessem apenas o essencial, este seria um mundo de silêncio. Bonita, né?
- O autor devia ser gago ou mudo. Mais gostoso que falar é só…só…só comer.
Nem sempre a gente ria do que Romero falava, mas sempre do jeito que ele falava. Tinha perfeita noção de tempo, de momento, de jeito de expressar uma gozação, e fazia rir até o mais sisudo dos caras. Entre os dois, ele e o Lípolis, era difícil dizer quem era o melhor para arrancar risadas.

Jovens, saudáveis, de bem com a vida, almoçamos farta e demoradamente.
Ao fim do almoço Lípolis soltou um sonoro arroto. Tão sonoro que várias pessoas olharam para nossa mesa e ele, batendo com a mão na mesa, e com cara de indignado, virou-se para a vítima da vez:
- Sandrinha, por favor, minha filha !! Quantas vezes eu já lhe disse que isso é feio? Quantas vezes já te disse que soltar pum e arroto perto dos outros é falta de educação? Ai, meu Deus…Desisto…Essa juventude de hoje em dia…
Sandrinha, já escolada, sabia que o melhor era participar para evitar mais gozações e com vozinha de criança:
- Desculpa, papai. Juro que não faço mais.
- É bom mesmo. É bom mesmo.
E com cara de desalento, jogou o guardanapo na mesa e dirigiu-se ao seu quarto enquanto as pessoas riam à sua passagem. Todos sabiam quem era o autor do arroto.

À noite, depois das oito, ninguém saía mais para trabalhar, a menos que tivesse uma boa entrevista marcada para durante ou depois da novela da Globo, o que era raro. Reuníamos-nos, então, como fazíamos em todas as cidades, e íamos jogar cartas no quarto que era escolhido na hora.
Os jogos variavam de acordo com a vontade da maioria, mas na maioria das vezes era o de buraco o preferido. Ainda mais que dois jogadores sempre se cansavam antes dos outros e era gostoso jogar dupla contra dupla.
Naquela noite de sábado, sem programação de trabalho para o domingo, resolvemos que jogaríamos até alta madrugada.
Começamos em seis. Algumas horas depois ficamos em quatro. Dupla contra dupla em jogo de buraco.
Muitas rodadas de mil e quinhentos pontos depois, e muitas garrafas de cerveja esvaziadas, ficamos só nós três. Eu e as irmãs deliciosas.
Elvira tomou a iniciativa:
- Meus queridos, agora que o jogo passará a ser coisa íntima, vamos apostar pra valer?
- Apostar o quê?
- Dinheiro?
- Não gosto.
- Nem eu.
- E fora dinheiro, o que é que a gente pode apostar?
- Sei lá..beijos, abraços, amassos, podem ser uma boa.- palpitei.
- Boa pra você, safado. Vou lá querer amassar minha irmã?
- Por mim…Eu daria uns bons amassos em qualquer uma das duas. Ou nas duas. Mas sei que vou perder. Vocês duas jogam muito, muito mesmo. Devem ter feito pós graduação em Las Vegas…
- Que tal a gente apostar roupas?
- Opa, tá interessante. Se eu ganhar, ganho uma camisa, uma calça, uma cueca…
- Não se faça de bobo. Quem perder vai tirando peças de roupas.
- Da mala ou do corpo? – fazia-me de besta para que a proposta se firmasse com os argumentos.
- Querido, por favor, você tá doido pra entrar nessa aposta. Quem perder cada rodada tira uma peça de roupa.
- Posso ficar pelado? Sei que vou perder todas mesmo.
- Até pelo contrário. Vá até seu quarto, coloque o paletó, a gravata e pegue sua pasta. Cada vez que você perder vai tirar uma peça. E nós também. Uma de cada vez.
- Uma de cada vez o quê? Uma peça ou uma das irmãs?
- Uma peça de uma das irmãs.
Rezei com muita fé para Pôkerpan-drasha-tznaya, o deus indiano do jogo de cartas que acabara de inventar- para consumo próprio e imediato- e pedi que me ajudasse no jogo. Pôkerpan-drasha-tznaya ouviu minha preces e joguei como um deus naquela noite.
Depois que as duas estavam tão peladas, tão a zero quanto minha conta bancária naquele dia, "estranhamente" minha sorte virou. Perdi tudo. Até mesmo minhas meias recém-lavadas.
O que passamos a apostar depois foi no par ou ímpar. Nenhum dos três estava a fim de pegar em cartas de novo.
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 16/06/2007
Reeditado em 20/06/2007
Código do texto: T529415
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