"Cara de Um..." = Histórias de Amor Safado.

O único motivo de eu estar sentado naquele elegante, pequeno, e escuro bar era ter que receber do proprietário um dinheiro que seu filho me devia, referente a uma compra que me fizera de uma caríssima coleção de obra técnica. Eu só queria pegar o meu dinheiro e cair fora, mas o diabo do homem não chegava nunca.

Cansado, desanimado, de saco cheio e em muito baixo astral naquela noitel, resolvi deixar a cobrança para o dia seguinte e cair fora. Só de olhar os preços das bebidas naquele boteco metido a besta, sentia revolta. “Vá pro meio do inferno um cretino que tem coragem de pagar tanta grana por uma dose de uísque. Tem que ser muito besta mesmo…”.

O problema não era meu, não tinha nada com isso, não era a mim que roubavam nos preços das bebidas, mas eu estava irritado e com vontade de aborrecer alguém. Já estava a ponto de chamar o gerente e dizer a ele uma ou outra frase irônica, daquelas de causar antipatia à primeira vista, (extraída de um livro que ainda pretendo escrever e cujo título será “Como Fazer Inimigos e Irritar as Pessoas”) quando a moça sentou-se ao meu lado, olhou para mim e arregalou os olhos enquanto se lançava ao meu pescoço:

- Meu querido! Meu queridíssimo ! Luz da minha vida ! Você veio mesmo! Cumpriu sua promessa ! E eu, que achava que nunca mais te veria…Estou emocionada. Olha só como meu coração está disparado.

Pegou minha mão direita, colocou-a sobre o seio esquerdo e apertou-a de encontro ao coraçãozinho. Estava realmente disparado. E o seio bem durinho.

Ela com o coração disparado e eu realmente espantado. Jamais a vira em minha vida e, caso tivesse visto antes, jamais a teria esquecido. Ela era -como a grande maioria delas- o meu tipo preferido de mulher: magra, bonita do tipo bem bonita, com um lindo, largo e brilhante sorriso, olhos grandes e puxadinhos, e um queixinho daqueles que a gente tem vontade de ficar alisando enquanto conversa. Delicinha.

- Eu não te disse, meu querido, que a primeira coisa que faria ao voltar da viagem seria vir aqui, a este bar, e rever você? Cumpri minha promessa e você cumpriu a sua. Que coisa linda…que gostoso de ver! Você está calado por causa da emoção? Eu estou falando como uma doida por causa da emoção.

Abracei-a com um misto de força e suavidade, muito emocionado, e estreitei sua delicada cabecinha junto ao meu pescoço enquanto alisava sua nuquinha. Deixei as lágrimas escorrerem rosto abaixo e ela fazia o mesmo. Basta querer e eu choro com a maior naturalidade do mundo. Já chorei até em enterro de sogra e recebi sentidos pêsames.

Um, dois, três abraços apertados depois, como que em um pacto silencioso, não dissemos mais nada. Limpamos os rostos das lágrimas e saímos do barzinho de mãos dadas.

Deixei que as coisas fossem acontecendo sem a minha interferência.

Na calçada, como sói acontecer nos filmes americanos, ela fez sinal a um táxi que parou na mesma hora e só faltava ser amarelo para que a cena fosse hollywoodiana de verdade.

Ela deu um endereço, nós nos abraçamos no banco traseiro e fomos trocando beijos cada vez mais demorados, mais profundos, mais cheios de paixão e desejo.

Só ela falava de vez em quando.

- Que saudades…

- Quantas vezes sonhei com você…

- Fui fiel a você nesse ano todo de ausência…

- Não via a hora de voltar….

Entre uma frase e outra, ou mesmo durante a frase, eu a beijava, abraçava, estreitava e comprimia. E ela entendia tudo que eu lhe dizia com o corpo.

Entramos no apartamento dela e ela sorriu:

- Entre, amor, entre e caia no sofá do jeito que você sempre gostou. Vou pegar sua cervejinha e meu uísquezinho com gelo. Nem precisa dizer que música quer ouvir.

Ligado, o som espalhou-se e uma pavorosa música sertaneja ecoou pela sala. O tipo de música que detesto ardorosamente…

Logo mais ela voltava com a garrafa estupidamente gelada, tão gelada que perdi a metade ao tentar encher o copo, e logo sentava-se no sofá e forçava o corpo em direção ao meu.

Dei apenas um gole na cerveja, abracei-a de novo e comecei a despi-la com todo o carinho.

- Ah, meu querido… que saudades de nosso amor feito na sala, na cozinha, no closet, sempre deixando a cama por último.

Segui o roteiro enquanto ela sussurrava coisas em meus ouvidos.

- Sempre caladão, sempre eficiente, sempre sabendo explorar meu corpo e me deixando doida de amor, de desejo, de tesão explodindo.

Calado como jamais fora antes, passei a noite com ela, uma noite de grande e intenso dispêndio de energia, e era alta madrugada quando ela se cansou de matar as saudades e dormiu profundamente.

Saí da cama devagarinho, bem devagarinho, pensando em deixar um bilhete esclarecedor para não ter que despedir-me, quando ela, meio acordada e meio dormindo, abriu a gaveta de seu criado-mudo e tirou de lá um pequeno álbum fotográfico:

- Olhe, amor, todos os dias eu olhava essas nossas fotos…

Peguei o álbum de sua delicada mãozinha e ela voltou a ronronar suavemente.

Alguns segundos depois saí correndo do apartamento. Sem deixar bilhete nem pista alguma. Sem querer eu havia colocado chifres em meu irmão e grande amigo. O que me consola é saber que no meu lugar ele teria agido do mesmo jeito. Vê lá se ele resistiria àquela bela mulher, deixaria de aproveitar aquele delicioso engano… Até nisso nós dois éramos parecidos.

Agora, muitos e muitos anos depois, estou mais careca do que meu irmão e nem os meus distraídos filhos me cumprimentam mais chamando-me de tio.

Até minha mãe nos confunde de vez em quando. Até hoje.

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 16/06/2007
Código do texto: T529455
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