Sobre as nuvens

É sempre uma emoção renovada, e todas as vezes permaneço de rosto colado, todo o tempo, como uma criança. Adoro ver a cidade grande ficar pequena aos poucos. Consigo enxergar as pessoas, os automóveis, as casas e seus quintais, até que eles vão diminuindo vagarosamente e se tranformam em pontos, e se confundem em cores, e se perdem na neblina.

Depois a subida, atravessando as nuvens do jeito de uma cortina de fumaça, em trancos suaves como se aquela névoa fosse mais densa do que parece ser. O dia nublado e frio, mais frio pela brancura do ar aparentemente sólido que se insinua por todos os lados, vai aos poucos ficando cinzento, amedrontador.

Então a subida chega ao final e agora vamos reto, sempre em frente, sobre as nuvens e sob um céu azul hipnoticamente lindo, com o sol brilhando muito forte e refletindo sua luz cintilante na fuselagem do avião. Agora é um dia maravilhosamente claro e luminoso, apesar das cores frias, e o chão é de puro algodão. Vontade de sair e deitar sobre aquele colchão imaculado, sol nas faces, para corar em paz.

Não demora muito e algumas brechas nas nuvens fazem adivinhar vales, montanhas, plantações, cidades. Aglomerados de pontos indistintos, manchas esparsas aqui e ali, e o verde entre elas. Estradas são riscos tortuosos ligando-as, como se uma criança caprichosa e gigantesca houvesse resolvido fazer um desenho com giz colorido sobre a lousa.

E então a descida. O sol se vai, novamente o dia fica cinza, e aos poucos as manchas passam a ter sentido: ruas e rios, largas avenidas, o aeroporto. Súbito as rodas encostam no solo, sente-se um solavanco e ouve-se o grande ruído das turbinas. Desço do avião e meu estômago agora congela sob o sol tímido da cidade. Não sou mais a criança. Nesse instante meu desenho animado acaba e começa a sessão proibida para menores: um grande romance, um filme erótico, mas ali apenas um trailer à disposição do público à nossa volta, que corre ensimesmado, totalmente desinteressado de nós - você me aguardando no desembarque, a mala lançada ao chão e um beijo escancaradamente desesperado de saudade. Estranho... sei que já aterissamos, mas cada vez mais me vejo sobre as nuvens.