Máscaras

Nesta noite eu sou a Alegria. É maravilhoso me sentir assim. Como se todos os meus sonhos tivessem sido realizados, todos de uma vez só. Dou saltos, dou risada e brinco, e as crianças fazem roda à minha volta. Sou aquele que traz a felicidade. Querido. Queria que isso durasse para sempre.

Malabarismo com bolas. Três, quatro, cinco. Cinco bolas e um frango de plástico. Equilíbrio sobre apenas uma roda. Destreza, no ritmo da música. Olhares de admiração. Aprovação. E eu sigo entretendo e animando, tentando me esquecer de que amanhã eu já serei outra pessoa.

Ontem, eu fui o Terror. Arrepio-me só de me lembrar de como então eu me senti tão bem. Pergunto-me como isso foi possível. Quero alegrar os corações, não dar sustos. Mesmo assim, urrei e aterrorizei. Eu era a essência do mal. Poder. Medo. Ainda bem que fui derrotado no final.

Mas hoje é tudo festa. Sou o rei da animação. A alma do divertimento. O genitor dos sorrisos. E caso venha o Terror, mostrarei a todos que no meu palco ele não tem lugar. Vou esguichar um jato de água bem no nariz dele. Risadas. Mas me pergunto quem serei amanhã.

A brincadeira nunca tem fim, mas ainda assim, em algumas horas ela acaba. Hora de desarmar o picadeiro, limpar o lugar, tirar a máscara.

Vejo meu sorriso, meu sorriso de pura alegria, pendurado no cabide, em meio a tantas outras máscaras. Rostos. Faces do que já fui, ou do que ainda serei um dia. Quem eu serei amanhã? Triste ou contente, destemido ou covarde, bom ou mau?

Serei eu alguém, agora?

Vou para o quartinho de dormir, sozinho, e esqueço-me de minha própria existência. Vazio. Pelo menos até amanhã à noite. Não sei quem, mas ainda assim serei alguém. O show deve continuar. Sempre continua.

Renato Arfelli
Enviado por Renato Arfelli em 18/06/2007
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