"Morena, Linda, Sensual, de Olhos Verdes" = Romance= Capítulo 7

"Morena, Linda, Sensual, de Olhos Verdes" = Romance= Capítulo 7

Naquela semana em que fizera o coronel esperar por um contato dela, Eliane tivera mesmo uma vida muito agitada. Trabalhara muito e fora realmente a campeão de vendas da Editora. A campeão nacional. Conseguira-o colocando em prática um plano que vinha elaborando havia já um bom tempo: a Editora pagava as comissões aos vendedores logo após a aprovação do crédito do cliente, coisa que demorava mais ou menos três a quatro dias, tanto para as vendas realizadas na capital quanto no interior. Se inteiramente aprovados nos órgãos de proteção ao crédito os nomes dos clientes, as comissões eram imediatamente depositadas nas contas-correntes dos vendedores. As entregas das obras vendidas se dava em um prazo médio de dez a quinze dias. Ou seja, bem depois de efetuados os depósitos das comissões correspondentes. Este era o ponto fraco que Eliane queria explorar para lesar a Editora em uma boa quantia.
Ao candidatar-se como vendedora Eliane usara documentos falsos, abrira com eles a conta no banco, conforme a empresa exigia, e a princípio trabalhara árdua e honestamente para criar um conceito cada vez maior e melhor junto ao gerente e ao diretor territorial. Limitava-se a usar apenas os inocentes e eficazes macetes usados por quase todos os colegas, assim como os que aprendera por conta própria. Se não fora campeã antes, pelo menos figurava sempre entre os primeiros colocados em vendas em seu território, como era chamada cada uma das várias diretorias que compunham o todo do setor de vendas.
Mas os prêmios daquele último mês do ano eram por demais tentadores para que ela desejasse ser a campeoníssima do mês de qualquer maneira e a qualquer custo.
Cada venda realizada, dependendo do valor da obra, equivaleria a mais e mais cupons na urna para o sorteio de um lindo carro zero quilômetro, na cor à escolha do ganhador. Sem contar as dezenas de outros prêmios menores, também bastante valiosos em sua totalidade, e que lhe haviam enchido os olhos de cobiça.
Eliane elaborara um plano simples e eficiente ao extremo: capricharia ainda mais na descrição da enciclopédia maior, mais cara, de conhecimentos gerais, carro-chefe da Editora, despertaria o interesse do cliente ao máximo, e finalmente apresentaria a ele uma proposta absolutamente devastadora, irrecusável, imperdível, fantástica, enfim.
- O senhor acredita que se aproveitar hoje, agora, neste exato momento, minha oferta, eu posso lhe dar um desconto absurdo? Uma coisa assim fenomenal, a tal ponto que o senhor só acreditará quando a obra chegar à sua casa. Veja só: estou autorizada a entregar a um pequeno número de clientes, pessoas selecionadas a dedo em cada uma das cidades pelas quais passar, a obra completa, maravilhosa, embalada na caixa original da editora, pura e simplesmente pelo valor da entrada!!! Dá pra acreditar?
O cliente demorava um pouco a acreditar.
- Moça, o que é a editora vai ganhar com isso?
- Simples, meu caro senhor. O senhor recebe a obra em sua casa, abre-a, examina atentamente, fica maravilhado com o que vai ver e…
- E…
- E vai fazer a maior e melhor propaganda que existe no mundo: a propaganda boca-a-boca. Vai contar para seus amigos, colegas, conhecidos, parentes, etc. Só que o senhor não pode contar, de jeito nenhum, é que foi dispensado por mim, por escrito, de pagar as prestações. Enfim: o senhor, neste momento, está sendo contemplado com essa enciclopédia maravilhosa em sua casa em troca de apenas o valor da entrada. O senhor vai dar a entrada em cheque ou em dinheiro?
- Bem…
- Estou perguntando isso pelo seguinte motivo: se o senhor der a entrada agora, neste momento, e assinar agora o contrato, eu ainda posso melhorar a coisa toda para o senhor.
- De que jeito? Não vou pagar nem a entrada?
- Melhor do que isso. O senhor poderá aproveitar a oportunidade e ficar com duas obras iguais pagando apenas as duas entradas. Já pensou que maravilha? O senhor vende uma delas, bem mais caro, e a sua lhe sairá de graça.
Argumento vai, argumento vem, e pouco depois Eliane saía com mais um contrato preenchido na pasta que engordava dia-a-dia. E o pobre do cliente nem imaginava a dor de cabeça que acabara de arranjar comprando duas obras caríssimas. O tempo imenso que levaria para colocar sua vida financeira em ordem depois que a Editora começasse a cobrar as mensalidades e a mandar para os cartórios os títulos não pagos.
Não satisfeita com a venda, Eliane ainda conseguia de todos seus clientes várias e boas indicações para novas vítimas.
A cópia do contrato que deixava com seus clientes, ou melhor, com suas vítimas, trazia apenas como a ser cobrado o valor da entrada. Nas cópias que ficavam com ela eram preenchidos os números e valores de todas as muitas prestações.
O melhor de tudo em seu golpe era que só valia a pena acertar meticulosamente todos os valores recebidos como entradas, visto que cada comissão equivalia a pelo menos quatro vezes cada valor desses.
O resultado no final do mês surpreendeu até mesmo a desonesta vendedora: noventa e seis vendas fechadas, aprovadas, e com as comissões pagas em pouco menos de três semanas de “trabalho” árduo. O segundo colocado acabara o mês com cinqüenta e três vendas bem feitas, honestamente realizadas, mas as chances de Eliane ganhar o carro eram bem maiores, sem contar os outros prêmios menores a que ia tendo direito à medida em que cumpria e ultrapassava as metas semanais prometidas ao gerente.

O sorteio foi realizado no imenso salão de um famoso buffet de São Paulo, e o carro saiu mesmo para Eliane no sorteio.
Comovida com os aplausos, com os elogios dos gerentes e diretores de todos os territórios, Eliane quase que se arrependeu do “pequeno artifício” que utilizara para vender tanto. Teve até um pouco de curiosidade sobre o quanto teria vendido se houvesse trabalhado de acordo com os ensinamentos e procedimentos éticos ditados pela Editora em seus cursos diários pela manhã.

Conseguindo convencer o diretor que o carro apenas atrapalharia sua vida profissional, que a afastaria de sua boa clientela e lhe criaria problemas de conservação, estacionamento e muitos outros, acabou recebendo um cheque no valor correspondente ao veículo ambicionado por todos os colegas.
Os outros prêmios ela levou para casa e guardou como recordação de uma boa fase de sua vida.
Uma fase de sua vida que se encerrou logo após descontar o cheque de alto valor na boca do caixa e sumir para sempre da Editora.
= Continua
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 20/06/2007
Reeditado em 20/07/2007
Código do texto: T533759
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