A Formatura
 
Apagou o cigarro com a ponta da sandália dourada. Reparou nas folhas secas, amarelas e dispersas sobre a areia.
Quanto tempo estudara naquela Universidade? Quatro, cinco anos? Não sabia nem se importava.

Ajustou a faixa verde, na cor do seu curso.

A noite de formatura era deveras mágica, podia sentir no ar a energia contagiante dos formandos, professores e familiares.
Era a sua noite. Estava esplêndida de beca preta, cabelos louros harmoniosamente derramados sobre os ombros.
Os pais olhavam-na com orgulho, era filha única e dera o primeiro grande passo nos caminhos da Medicina.
Fora relativamente fácil demovê-la da ideia de cursar Teatro. A mãe lembrava-se da filha adolescente, olhos brilhantes de euforia, chegando em casa de mãos dadas com a sua melhor amiga e declarar, com um sorriso, sua escolha de cursar as Artes Cênicas, seria a sua profissão.
O pai, médico psiquiatra, franziu o cenho e à noite falou sério com ela, discutiram, ela chorou. Gritou que aquilo não era profissão de gente, iria morrer de fome ou louca com a ilusão do mundo dos espetáculos. Em seguida tratou de proibir a amiga de frequentar a sua casa e falar com a sua filha. Sempre soubera que aquela moça era uma má influência.

Sentou-se com delicadeza na amurada da concha acústica. Seus olhos castanhos percorreram todo o ambiente, as luzes, as flores, as roupas coloridas das mulheres.
Recusara-se a ser a oradora da turma. Graduara-se pela vontade do pai. Por ela, estaria em algum lugar do país, a vestir fantasias e personagens em circo mambembe ao lado da amiga que seguira para o curso de Teatro sem ela.

Imaginava quantos naquele lugar teriam o mesmo pensamento, a frustração de fazer algo que não desejava.

Quando a mestre de cerimônias abriu a noite ela foi postar-se junto aos colegas. Do seu lugar, avistou a amiga que subira em uma árvore para melhor contemplá-la e sorriu. Na hora do juramento as duas, olhos nos olhos, puseram a mão no peito e fizeram a jura secreta. Os olhos verdes da amiga pareciam duas folhas a mais daquela grande árvore. A sua dríade.
Os balões estouraram, as cornetas apitaram. O Reitor, idoso e amável em sua murça branca, declarara-os formados.

A jovem médica ergueu-se com suavidade e caminhou de encontro à grama enquanto o pai cumprimentava os conhecidos. Ele também estudara e se formara naquela Universidade e estava orgulhoso de a filha seguir seus passos. A mãe, em fino traje, repousava a mão no braço do marido, lamentando-se em segredo de ter deixado os estudos para casar-se, uma exigência dele.
Ao chegar em frente à estátua da donzela com o cesto de flores a jovem tirou as sandálias douradas, sentiu a maciez da relva e deixou cair o diploma, a beca e o capelo. Sorriu para a escritora que contava sua estória e correu, o vestido verde esvoaçando como as asas de um louva-a-deus, os cabelos dourados volteando em direção ao fusca onde a sua amiga a esperava, malas prontas, olhos transbordando amor.

Beijaram-se apaixonadamente e partiram pela Avenida da Universidade rumo ao futuro de artes e amores que sonharam juntas durante aqueles anos em que ela, obediente, fizera a vontade do pai.
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 11/08/2015
Reeditado em 11/08/2015
Código do texto: T5342465
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