Um Meursault na beirada (A QUEDA)

Subitamente aquela beirada guardava bem mais que o fim de um bem precioso. Talvez na urgência com que me chamava, eu tenha percebido pela primeira vez o quanto era tolo.

Talvez aquele segundo não pudesse acolher tudo o que de fato sucedia. Ou quem sabe, a letargia do momento inchava dentro de mim numa canastra contida.

Por medo que meus desejos reivindicassem uma sucessão de erros foi que renunciei a tudo isso, nada do que me era apresentado valia de fato a pena, todos os fins pareciam o único meio. E mais uma vez, vi-me estirado num grande calhamaço de injúrias, suportado apenas por lampejos duvidosos. Quem sou eu?

As velhas perguntas aristotélicas culminavam numa resposta aquém do que eu precisava, a náusea que Sartre evidenciou tornou-me um pacífico doente terminal. A fúria, outrora ruidosa, acovardou-se num baile afásico.

Tentei, se bem me lembro, rememorar velhas lembranças, memórias caducas que pudessem me fazer desistir de tudo aquilo. E qual não foi minha surpresa ao pegar-me totalmente incapaz de lembrar-me sequer de mim mesmo. Será isto o vazio?

Como poderia arcar com todo o mal que suplementava tudo aquilo que parecia fazer-me o que sou? Onde foi que perdi minha serotonina?

Aproximei-me mais da beirada, e pus-me a buscar um único motivo que, alicerçado por velhas ideias, pudesse enfim dar cabo de tudo. O inevitável que se adia...

No meu frágil entendimento sobre o que é a vida, posterguei todo o movimento e toda a energia que alimenta o motor de tudo isto. Pois quis que o meu choro irrompesse num pranto cínico e dissimulado e que todas as causas que eu julgava injustas, pudessem sensibilizar-me ao provarem-se erros imperdoáveis, atitudes incompatíveis porém humanas.

E, a partir daí, toda a sujeira voltaria a exalar um agradável odor de inocência ou, no mínimo, maldade pueril.

Quão bom seria se meus olhos fossem de outro e o coração cansado. Não haveria razão para encontrar-me onde estou, nem motivos justificáveis de culpa. Eu teria um duplo, que sente que cada respiração e cada palpitação fariam valer meu ingresso nefasto nesta condição.

Mas o que é o homem?

Não bastam mais definições, verdades concretas nem lampejos humanitários. O homem científico atolou-se num lamaçal de limitações, repete-se sob o jugo da originalidade, do progresso.

A própria arte, a filosofia, a poesia parecem cansadas, envergonhadas da fragilidade de suas conjecturas, de sua métrica insossa em versos brancos.

Pode ter sido ontem que descobri-me a raciocinar assim, mas quando o sentido de tudo tocar-me corretamente, estarei estatelado nas rochas lá embaixo e, tudo o que me terá valido nesta vida terá sido, única e exclusivamente, a QUEDA.

Bruno Sousa
Enviado por Bruno Sousa em 13/08/2015
Reeditado em 16/02/2019
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