CARTAS ANÔNIMAS

Olhar de peixe morto, pernas tortas Contrárias as de Garrincha, lá vinha Valdo, quase sempre com o instrumento de trabalho na mão, quando abria a boca era inconfundível o sotaque de língua presa, ligeiramente puxa-saco, coisa que sabia disfarçar com maestria, as vezes deixando confundir-se com um sujeito sério e brabo, sempre em favor da chefia.

Naquele tempo as pessoas preferiam viajar ou de trem ou de barco, pois a maioria das estradas era esburacada e além disto o preço das passagens era mais em conta do que das de ônibus.

Gilnei viajava para o coração do Estado, numa última viagem, pois mudara-se para lá. Nem bem sentara-se e o banco ao lado foi ocupado por um conhecido de vista, o Paulo. Cumprimentaram-se e trocaram algumas palavras e logo o trem deu partida apagando-se as luzes, já passava das 2 horas.

De longe ouviu-se o apito e o trem partiu deixando para trás talvez meia centena de viajantes e levando mais metade disto.

As luzes são acesas e o maquinista freneticamente aciona a buzina em forma de apito que vai misturando-se ao pleque peleque pleque cada vez mais espaçado das rodas nos trilhos até o apito final e a parada, já são quase 3 horas e o trem que estava atrasado atrasara mais um pouco para dar passagem ao que vinha em sentido contrário.

Enquanto o trem manobrava a conversa recomeça e Gilnei não tarda em dar conhecimento da mudança de domicílio. Foi o que bastou para que o companheiro de banco perguntasse se a mudança acontecera por causa das cartas.

Gilnei desconcertou-se, mas criou coragem e perguntou quais eram as cartas.

Pressentindo que havia falado demais Paulo tentou desconversar, mas não deu, Gilnei quando estocado ficava meio gago e avermelhava. Veio de lá uma espécie de relatório cartorial:

- O senhor sabe quem escrevia aquelas cartas ameaçando sua esposa? e o próprio foi respondendo:

- Era a mulher do Valdo, a letra é dela, mas quem elaborava era o meu compadre, aquele que joga cartas, que lê o passado, futuro e presente.

Paulo seguiu contando tudo que sabia e como começara a escrita das cartas. O Valdo desconfiava que alguém estava cortejando a mulher dele e procurou o compadre, primeiro ele deu consulta para ela, depois chamou o Valdo indagou-lhe, então contou a história que as cartas tinham mostrado. O compadre tinha sido categórico quanto ao ato de Gilnei e do Figueiredo ao cortejando a mulher de Valdo, mas disse que nada saíra além da corte. Claro que ele não contou que uma ou duas vezes por semana jogava cartas com a vizinha. Nesta reunião então resolveram vingar-se escrevendo cartas anônimas ameaçando a sua esposa, a do Figueiredo e depois até a filha do chefe, se vocês não se mudassem de cidade.

Gilnei não encorajou-se em voltar para desmascarar aquele que já não era mais anônimo, afinal voltara para onde, segundo ele, nunca deveria ter saído. Recomposto deixou claro que não guardava raiva, pois era tudo mentira, tanto que a mudança se dera na busca de melhores empregos para os filhos, apenas estava chateado, pois ambos era colegas e inclusive trabalhavam lado a lado, ambos no tarol, mas mesmo assim encarregou um pássaro para contar ao Figueiredo da descoberta que fizera na última viagem e assim não precisou voltar mais.

Figueiredo ficou quieto e assim Valdo continuou num mesmo dia de trabalho alegrando e amarrando carrancas, pelas ordens de dormir e acordar que soprava ao vento.

ItamarCastro
Enviado por ItamarCastro em 15/08/2015
Reeditado em 15/08/2015
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