O Conto do Ex - Ladrão

A década era 70, quando as palafitas ainda se infiltravam a desaguar como mar no norte. Poucas casas, e a maioria era de fazendeiros renomados e anônimos, que construíam a elite paraense. Acerca das muitas fabricas se formavam verdadeiras favelas de pessoas humildes. A economia era movimentada também pelo fumo, em onças de tabaco, que roubavam do cigarro o seu lugar no pulmão de muitas cidadezinhas.

Dona Graça como uma fiel seguidora da liberdade, em dificuldade, investia em seu filho para que o futuro não fosse tradutor da dor ao seu filho, que ela sofria todos os dias. Assim, pautado na decente educação tradicional, ferro, obediência e fogo, Betinho se desenvolvia Alugados de uma das casas do senhor “Tira Dama”, que ninguém nos ouça, pois o portuga ficara uma fera, quando o chamavam dessa forma, foi o locador da última casa da vila.

Moleque é moleque em todo o tempo, sua linguagem é brincar e fazer traquinagem, pras mães, a famosa arte, sempre traduzida, ou melhor, corrigida com uma boa surra. Nesse tom Betinho, Maurinho, Mito, Euzemar e outros faziam da infância um céu, com infernos e purgatórios. Mas o que importava era a imaginação, o mundo inocente e latente, que plurificava aquela geração.

Não obstante a tantos altos e baixos, Maurinho e Betinho eram bons amigos e vez por outra, estavam juntos a brincar na casa de um ou do outro. E certo dia, na casa de Betinho, em meio a vários ônibus, amassadeiras e aviões de lata, carros de plástico comuns, enfim Maurinho expos os seus tesouros. Um lindo navio pirata, com seus playmobil, com seus soldados de forte apache, com índios e cavalos, que o Betinho nunca teve ou havia visto.

Horas a fio a brincar, imaginando aquela viagem, cujo mundo era só deles, na entranha da necessidade de ter, o veneno traquino escorreu da mente ao coração do Betinho, que sem titubear, lançou mão do que não lhe pertencia. Escondeu em sua mão um dos soldadinhos e ao terminar a brincadeira, pelo pedido da mãe de Maurinho, que o chamara para higienizar o corpo, afinal a tarde cairá e eles não perceberam, hipnotizados pela mente romântica da aventura, seguiram cada qual para seu canto.

Depois que Maurinho foi-se, Betinho ficou só, com o boneco nas mãos, entre a sua consciência arrependida pelo ato negativo e o medo de devolver e ser repreendido. E justamente quando refletia Maurinho ao conferir o seus bonecos, notou a falta e falou em sua casa, justamente quando a sua mãe o impelia a tomar o banho.

Como apenas uma parede divida aquelas casas na vila, Betinho ouviu o lamento do amigo e mais arrependido ficou. Inconsciente tratou logo de se livrar do material do furto. Jogou o boneco pela janela, que caiu em outro quintal. Mas a consciência, através dos ensinamentos de sua mãe e a doutrina religiosa, o colocavam no inferno e ele, depois de muito sofrer, foi ter com o seu amigo Maurinho. Chamou a parte e confessou o seu delito. Maurinho, que era um menino franzino e calmo, olhou-o, e como um sábio, falou ao amigo: - Não se preocupe, pode ficar com ele, eu sei que você não tem nenhum e eu fui egoísta em não dividir. Pode ficar com ele como o meu presente.

Rindo a toa os dois se abraçaram e Betinho disse:

Nem sabe, com medo joguei-o pela janela afora. Acho que caiu no quintal da dona Orbelia.

E Maurinho falou:

- Então vamos lá pegar.

Mas quando os dois subiram na janela pra ver onde estava o boneco...

Lugar mais limpo, não havia mais nada.

Só a sombra das ameixeiras com a mangueira. Aquele quintal imenso com o terreno branquinho, solicitava a eloquência da imaginação dos meninos, que pensando e rindo a toa disseram:

- Vai ver, o soldadinho foi em busca de aventuras.

E o dia terminou sob um sol radiante.