A ESTÁTUA DA JANELA

Ao redor, ninguém. Por mais que buscasse.

O peito arfava e ela não compreendia o vazio que ficou.

A beleza de cada instante vivido e a docilidade daqueles minutos, longos minutos, tudo se acabara e certa tristeza mortal tomara o espaço.

Os cotovelos ganharam calos de tanto encostarem-se à pingadeira da janela. Em vão. Fora confundida com a malignidade alheia. Tanto implorara, para que não acontecesse isso, mas o mal venceu.

Pedira muitas vezes que não a misturassem com a turba das ruas e solicitara que, após o último passante, não fosse abandonada.

Fora servil, imbecilmente servil. Tantas flores ela distribuíra naquela janela, não percebera que a roseira seria podada, assim que as rosas fossem dispensáveis. Chegou o dia.

Sua ingenuidade demorou a perceber a poda. Insistia em abrir a vidraça, em entregar o coração e a alma aos transeuntes. Pobres mãos presas sob a frieza dos vidros. A tesoura da poda era eficiente, aos poucos tosara-lhe a língua. Todos os canais foram fechados.

Gente boa não pode falar, extirpem-lhe a língua, diminuam o volume da voz gutural. Não atendam a seus apelos. É assombração, talvez carregue doença contagiosa. Finjam que não conhecem a moça do parapeito.

Assim, virou estátua na janela eternamente aberta. Dizem que uma lágrima congelou-se em sua face.

Dalva Molina Mansano

Dalva Molina Mansano
Enviado por Dalva Molina Mansano em 23/08/2015
Reeditado em 24/08/2015
Código do texto: T5356712
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