Anjo negro

Um rosto envelhecido refletido no espelho mostra a tristeza vencida pelo cansaço. Não velho é de idade, mas sim de espírito, este que vaga solitário e sem rumo por entre o outro lado daquele estranho vidro imitador.

São necessários porém, detalhes minuciosos para descrever tal fato que envelheceu a face de uma linda garota cuja vida lhe tirou o tempo e a própria vontade de viver.

Sua alegria era tamanha que até mesmo a tristeza, por maior que fosse, era posta para fora com um bom pontapé. Seu sorriso era tão lindo que secava qualquer lágrima que caminhasse pelo rosto de alguém próximo a ela. Sua felicidade era tão grande que não lhe cabia no peito, sendo necessário dividí-la com o maior número de pessoas que encontrasse.

Até que um dia...

Encontrou um anjo, sim um anjo! Ele era lindo... seus olhos tinham a cor do oceano e eram tão brilhantes quanto. Seus cabelos eram dourados como os raios do Sol e sua pele alva como nuvens de algodão... Sim um anjo! E era tão lindo...

A garota ficou espantada com tal perfeição. Seus olhos hipnotizavam assim que cruzavam com o oceano azul, suas pernas bambeavam quando por ela o anjo passava.. então... aos poucos, dela ele se aproximou, ficando pertinho, como se correspondesse com o mesmo sentimento... amor.

Sua vida agora era dele. Sua alegria, seus sorrisos, sua felicidade, agora a ele pertenciam... sentia falta, uma falta que corroía suas entranhas, que apertava seu coração de tal forma que sem ele não conseguia respirar. Sua dependência era tanta que quando não o via apenas por alguns minutos sentia uma raiva intensa percorrer em seu corpo como a que sentimos quando escutamos o ruído de unhas descendo lentamente a lousa da escola causando-nos um arrepio que estremesse nosso corpo inteiro subindo até a nuca... precisava dele para viver! Um segundo sem ele era uma eternidade onde o relógio insistia em parar! E ele era tão lindo...

Viciou-se... seu vício chegou a tal ponto que deixava de comer, de dormir, apenas pensando naqueles olhos que tanto a fascinavam... Precisava gritar para o mundo todo que o amava! Que não sabia mais viver sem ele e que não queria fazê-lo se não o tivesse!

Ele correspondia, sim, como não?!? Se não correspondia por que não se afastou ao perceber o amor da garota?! Mas ele não queria... gostava de ter alguém que o amasse ao seu lado, gostava de ter alguém ali para quando precisasse e, fazendo isso, tornou o amor de nossa linda menina em nada mais nada menos do que um mero suporte.

Sua ausência agora já chegava a doer. Esse sentimento a consumia cada vez mais alimentado pelo anjo que não lhe queria, mas que também não a deixava ir...

Ficou cega. Cega pelo amor que lhe consumia a alma e tão cega ficou que ao menos notou que um outro alguém tinha entrado em sua vida. Não era belo como o anjo, mas amava a garota acima de qualquer outra coisa e faria de tudo para vê-la feliz. Porém, seus olhos estavam tapados pelas asas do anjo que não lhe deixavam enxergar a vida que havia ao seu redor.

Certo dia a garota chegou como sempre à escola e esperou como todos os dias a chegada de seu anjo. Esperou... esperou... e esperou, mas o anjo não apareceu. Ficou desesperada! Não sabia o que fazer! Seu coração estava sufocado, estava sem ar! Por que ele não vinha?!?

Desatou a procurar em todos os lugares. De todo a qualquer canto a menina procurou, mas não encontrou seu anjo...

O outro, que lhe amava, tentou se aproximar, avisá-la que o anjo por ela não sentia nada e que sua vida deveria seguir adiante, pois vê-la daquele modo o fazia sofrer de tal forma que parecia que cada dia lhe era arrancado com uma pinça um pedaço de seu coração...

Mas a garota não ouviu. Continuava cega e rejeitou a ajuda do menino alegando que o mesmo não sabia o que era amar e que jamais saberia...

O garoto, cabisbaixo e com lágrimas no rosto, se afastou triste não só por não ter seu amor correspondido, mas por não ter conseguido ajudar sua amada e poupá-la do sofrimento que viria a sentir em breve. Foi-se então embora, não sem antes entregar à menina um coração em forma de papel dizendo que seu coração a ela pertenceria para todo o sempre...

Amassou o coração de papel avermelhado e jogou em um canto do quarto voltando a pensar em seu anjo, onde ele haveria de estar?!

À noite não dormiu. Mexia e remexia na cama sem pegar no sono e quando finalmente o Sol apareceu, pulou da cama afim de encontrar notícias de seu anjo.

Chegando na escola teve a maior surpresa vinda com uma tristeza que jamais havia sentido. O anjo tinha ido embora.. sim, ido embora, sem ao menos dizer uma palavra sequer e o que era pior... foi embora com uma garota que tinha conhecido a alguns meses atrás com quem tinha combinado de fazer uma viagem, mas pelo jeito essa viagem teria um período muito mais longo.

A menina sentiu como se o chão caísse aos seus pés, como se o céu desmoronasse em sua cabeça, como se não houvessem mais paredes para apoiar-se pois suas pernas não a aguentavam mais...

Precisava de alguém, de um ombro amigo. Alguém que enxugasse suas lágrimas que agora corriam em seu rosto como a correnteza de um rio.

Foi procurar o garoto, sim aquele que a amava, mas que tinha esnobado. Porém, quando chegou à casa deste, encontrou a mãe dele em prantos com um papel em mãos.

O menino tinha se suicidado, afogou-se em um lago não muito longe dali. O bilhete que a mãe tinha nas mãos estava no nome da menina e dizia: “ Te dei meu coração, é teu, guarde-o, pois apesar de ferido e machucado foi por ti que ele batei e por ti emudeceu... Maldito anjo!”

A dor que a menina sentiu seria impossível de se descrever com palavras. Era como se uma faca penetrasse em seu coração lentamente deixando-a sentir o gélido metal adentrando em seu corpo seguido de gotas de sangue que caiam sem cessar. A faca cortou seu coração em milhares de pedacinhos, pedaços demais para serem juntados e pequenos demais para terem alguma importância...

Pegou do chão o papel em forma de coração que havia amassado e jogado em um canto. O desamassou e viu que ele agora estava estranhamente mais escuro, chegando a ser quase negro.

Chorou. Tentou milhares de vezes fechar os olhos e pensar que tudo isso foi um sonho, mas foi vencida pelo cansaço e pelas lágrimas que cobriam sua visão.

Olhou-se no espelho. Estava pálida, seus olhos, além de lágrimas, não tinham mais vida... seu sorriso se escondeu e sua pele já não era mais tão jovem e sim velha e cansada como se envelhecesse cinquenta anos em apenas alguns meses.

Tentou por muitas vezes matar-se, mas sempre sobrevivia como se seu castigo fosse viver atormentada e se culpando até o dia em que a vida cansasse de lhe fazer sofrer.

Decidiu então adormecer e quem sabe com alguma sorte adormecesse para sempre. Pegou o coração em forma de papel e pôs em cima do seu apertando-o com força com medo de perdê-lo.

Assim adormeceu...

“Não deixe que uma ilusão o cegue a ponto de não enxergar a felicidade verdadeira que pode estar ao seu lado.”

Bárbara Miranda
Enviado por Bárbara Miranda em 21/06/2007
Reeditado em 26/06/2007
Código do texto: T536109