"Morena, Linda, Sensual, de Olhos Verdes" = Romance Capítulo 10

-Eu também quero, e logo, mas agora estou começando a sentir muita fome. Afinal de contas, a gente não tomou nem o café da manhã ainda, meu amor. Estou fazendo pra nós um almoço bem levinho. Não quero uma congestão pra nenhum dos dois porque, pelo jeito, você não vai querer nem esperar a digestão.
- Acertou em cheio, mulherzinha inteligente.
Após o almoço Eliane escancarou a janela do quarto e comentou que tinha o privilégio de poder abri-la sem devassar sua intimidade. O vizinho ao lado era o morro do José Menino. Por ali, entre a janela e o morro, jamais passava alguém.
- Geralmente, principalmente no verão, eu durmo peladinha a tarde toda, com a janela aberta, sem a menor preocupação. Fique sossegado que ninguém nos verá.
A fim de confirmar, o coronel foi até a janela e olhou em direção ao morro. Realmente parecia difícil o acesso de modo a dar para ver o que havia dentro daquele quarto, mas não de todo impossível.
- Eliane, meu anjo, você diz isso porque ninguém se resolveu a olhá-la de longe. Eu mesmo arranjaria, em um minuto, um jeito de subir um bom pedaço do morro só pra matar as saudades de seu corpo, com um bom binóculo nas mãos.
- Você, querido, eu deixaria ficar me olhando à vontade. Até me exibiria. Venha quando quiser, suba e morro e dê um assobio. Pode ter certeza de que eu abro a janela e me escancaro pra você. Combinado?
- Combinado. Pode ser a qualquer dia? A qualquer hora?
- Não, a qualquer dia e a qualquer hora, não. Tem que ser pela manhã. Precisa ser em um horário em que meu filho esteja na escola. À tarde ele está sempre em casa. Se você assobiar e eu não abrir, já sabe, tive que sair para alguma coisa urgente.
Os dois riram do acordo feito, e o coronel logo pensou em quando poderia testar seu assobio no morro.

Wilson voltou para casa à noitinha e encontrou a mãe muito feliz e sorridente.
- Pelo jeito o coronel te mostrou o passarinho verde, mãe. Que cara de felicidade…
- Claro, menino! E não é pra menos. Você não quer que seu pai volte logo pra casa? Não quer que as coisas voltem a ser como antes? O coronel tem tudo que sua mãezinha quer, tudo que nós precisamos: dinheiro, prestígio, um casamento acabando e um tesão enorme por esta sua modesta mãezinha. Esqueça da vingança imediata e entre na minha, menino. Você, pra tudo dar certo, vai sumir por uns tempos. Vai morar com minha irmã em São Paulo e vai se comportar muitísimo bem por lá.
- Mas a tia não mora em São Paulo, mãe.
- Mas vai se mudar pra lá junto com você. Estou cuidando disso. Lembre-se de que não poderei sair daqui por um bom tempo pra te ajudar em coisa alguma, por isso não arranje encrencas nem conte comigo pra coisa alguma. Você vai levar uma boa grana pra São Paulo, e quando precisar de mais é só pedir que a mamãe manda.
- Eu tô mais é achando que esse coronel vai é ficar numa boa, mãe. Além de não pagar o que me deve, da surra que me deu, ainda vai traçar muito a minha mãe. E de graça, ainda por cima. Você não acha, mãe, que ele vai descobrir quem é você? Não vai saber logo, em uma cidade desse tamanho, que você é mulher do Waldemar do Sindicato? Duvido muito. Só se ele for tapado total ou muito mal informado.
- Ele não é nada disso, filhote do meu coração. É até muito esperto em tudo. Acontece que sua mamãe é muito mais esperta que ele e que você. Deixe as coisas comigo e na hora certa nós dois riremos juntos. Riremos juntos da cara do coronelzinho.
Eliane sabia que estava mentindo, que ainda não tinha a menor idéia de como as coisas ficariam em breve, mas o importante agora era manter o filho sob controle.

Wilson não estava gostando nem um pouco do rumo que as coisas estavam tomando. Conhecia muito bem sua mãe para saber que desta vez ela estava diferente. Ela estava se envolvendo emocional e fisicamente com o coronel e parecendo dar cada vez menos importância ao fato de que o tal o surrara quase que até a morte. Havia quase dois meses que ele fora espancado e o corpo ainda lhe doía em vários pontos. Só mesmo sua extrema juventude e sua saúde perfeita permitiram que sobrevivesse à pancadaria sem maiores e mais permanentes conseqüências. Tomara que a mãe não deixasse de lado a vingança. Se o fizesse, Wilson não hesitaria em resolver as coisas à sua maneira. Escolheria um dos muitos planos que elaborara na ocasião e faria o coronel sofrer muito antes de morrer. Agora aceitaria ir para São Paulo e colaborar com a mãe. Fazer o que ela queria. Se não visse logo resultados vantajosos voltaria a Santos bem preparado.

Ao final da tarde, depois de algumas horas felizes na cama com Eliane, Beluzzi foi até sua casa trocar as roupas e verificar se sua família já voltara para casa.
Assim que entrou em casa o telefone tocou. Era uma de suas filhas avisando que estavam pensando em pernoitar em São Paulo e retornar apenas no dia seguinte.
- O senhor se importa de passar o domingo sozinho, papai?
- Bem, filhinha, é claro que não vou gostar muito, mas se vocês e sua mãe quiserem, faço o sacrifício. Sacrifico-me por minhas meninas. Por vocês duas, entendeu, minha querida? E a megera, quer ficar aí também?
- Papai, que coisa feia…Não fale assim da mamãe. Se ela é megera o senhor é “megero”. A gente já nem sabe mais quem é pior com o outro.
- É ela, minha filha. É ela. Seu pai é um santo homem. Um homem quase sem pecados.
- Deus está ouvindo…Tchau, papai. Até segunda. Amanhã será dia do santo de minha devoção e quero aproveitar que estou em São Paulo para ir à igreja dele, que fica aqui pertinho, e pedir um milagre.
- Que milagre, filhinha? Pedir pra sua mãe ficar simpática?
- Não, papai. Vou pedir a ele que vocês dois voltem a se dar bem.
- Se ele conseguir essa graça, minha querida, você nem imagina o que vou fazer.
- Você iria à igreja agradecer, papai?
- Que nada, filhinha. Eu iria até lá encher a cara dele de tiros. Eu furar o intrometido da cabeça aos pés. Quero lá me dar bem com sua mãe…Essa é boa…Tchau, amor do pai. Diga à sua irmã que amo muito vocês duas.
- Tchau, papai.Também te amamos muito.
Beluzzi riu enquanto devolvia o fone ao gancho. “A idéia dessa menina…”. Desde quando ele sequer cogitara reatar com a mulher? A única coisa que ele queria na vida era não vê-la mais por perto. A verdade é que havia muito tempo que a detestava. Havia muito tempo que se controlava para não mudar aquela fisionomia arrogante com um bom murro no meio da cara de uva-passa. Só não o fizera por causa das filhas. A diaba da mulher era o que se podia chamar de portadora de dupla personalidade (e cada uma pior do que a outra.) Com as filhas, e com todas as outras pessoas, era sempre uma espécie de anjo compreensivo, tolerante, carinhoso, caridoso, meigo é dócil. Só com ele era aquela megera. Megera mesmo, no mais amplo sentido da palavra. Irônica, amarga, grosseira, metida a besta e resmungona. Menos na frente de outras pessoas. Era incrível sua habilidade em passar por vítima do grosseiro e insensível coronel. Provocava-o de maneira bastante sutil, imperceptível aos outros, e depois olhava em volta, súplice, como a pedir proteção contra o agressivo marido. O coronel odiava-a nos últimos anos e percebia que, além do imenso amor pelas filhas, o ódio que nutria pela esposa era o seu mais forte, genuíno e imutável sentimento. Desde os tempos de namoro ele fizera questão de ser absolutamente franco a respeito de suas idiossincrasias. Algumas herdadas dos pais, outras desenvolvidas nele por sua própria vivência. Uma delas era não tolerar que alguém tomasse sopa perto dele fazendo barulho, chupando o líquido da colher. Fazer isso perto dele era despertar antipatia e inimizade no ato. Outra coisa que não suportava era o ruído de maça sendo mordida. O barulho da fruta sendo mastigada perto dele fazia com que sentisse um arrepio insuportável que parecia ir das orelhas ao cérebro, causando até mesmo uma dor fininha. E não é que a mulher dera pra chupar a sopa perto dele daquele modo asqueroso, daquele jeito maldito que o fazia ter idéias assassinas? E depois ainda, volta e meia, não pegava ela uma maldita maçã e dava aquela dentada enorme que tanto o martirizava? Nestas ocasiões Beluzzi fechava os olhos, contava até dez, e mantendo todo o autocontrole possível, apenas pensava o quanto seria boa e justificada sua vingança. Era só uma questão de tempo. Mais alguns dias, poucas semanas apenas, e ficaria livre dela de uma vez por todas. Só não fora mais incisivo ao exigir a separação consensual por estar, no íntimo, aguardando que alguma coisa, Deus, A Divina Providência, o acaso talvez, o livrasse da mulher de uma maneira definitiva e ao mesmo tempo econômica. Doía-lhe muito pensar que seria fácil, cômodo e vantajoso para ela desquitar-se dele. Receberia sem trabalhar, não precisaria mexer uma palha para sobreviver, e ainda se sairia muito bem econômica e financeiramente daquele casamento pelo qual nada se esforçara para que desse certo. E ainda sairia como a pobre vítima do coronel durão e grosseiro aos olhos de todo mundo.
O coronel foi até o banheiro, tomou um banho rápido, fez a barba, trocou de roupas e voltou para a casa de Eliane.
= Continua amanhã.
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 23/06/2007
Reeditado em 20/07/2007
Código do texto: T537394
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