A arte de ver a solidão

Cheguei. Sentei e fiquei a observar sentada ao fundo do bar, àquelas almas perdidas e solitárias. Não sabia ao certo quem na verdade era a solidão ali, eu, ou aquelas pessoas pútridas de vida.

Talvez eu estivesse enganada em relação às pessoas ali presentes, mas só uma pessoa solitária, saberia reconhecer outra. Observar é fácil, talvez muito, porém viver a solidão em certas circunstâncias é desesperador.

Observei ao longe, quando um homem engravatado entrou ao bar, e o segui com o olhar. Talvez aquela seja o pior tipo de solidão que existe: a causada pela ganância de ser importante. Ele caminhou, pediu uma bebida e saiu a procura de uma mesa ao fim do bar, bem onde eu estava. Parou, observou a sua volta, e viu-me. Saiu caminhado em minha direção, parou e perguntou com toda dor que se é possível existir na voz de qualquer ser pensante:

- Posso me sentar e faze-lhe companhia? Prometo não falar, apenas não quero mais ficar só em meio a essa multidão de corpos sem vidas.

E com os olhos abaixados para a minha cerveja, o respondi delicadamente:

- As pessoas são sós por que constroem muros ao invés de pontes, moço.

- O Pequeno Príncipe? - Perguntou-me ainda de pé.

- O senhor poderia, por favor, senta-se antes de começarmos a falar sobre poesia?

Ele riu, e por incrível que pareça, foi uma cena belíssima de se presenciar: o sorriso das pessoas que perderam a vontade de sorrir, e sentou-se a minha frente a me observar.

- O senhor vai falar, ou precisarei pedir uma dose de tequila para que consiga? - Perguntei, sorrindo com o canto da boca.

Ele não respondeu, apenas baixou a cabeça e ficou a olhar sua bebida. Talvez esse seja o problema com as pessoas que não sabem amar, a incapacidade de falar.

- Moço, se é que posso chama-lo assim, o senhor não precisa “ser solidão” o tempo todo. Às vezes, é possível ser apenas uma pessoa normal em um bar, e beber um drinque com uma desconhecida...

-O que é ser normal? Poder beber, falar e ouvir a todos sem a menor sensibilidade? Ou poder sair com muitas pessoas que você denomina de amigos, e poder sorrir um pouco? Do que vale um sorriso momentâneo se ele não servirá para fazer poesia, moça? -Interrompeu-me ainda fitando seu copo de bebida.

Fiquei em êxtase com suas palavras, e pensei que esse fosse outro erro humano: a capacidade de julgar pela aparência e não pela poesia. Permaneci em silêncio mediante as suas palavras, talvez não tivesse um por que o meu silêncio, talvez eu apenas estivesse com medo de voltar a falar novamente com aquele estranho a minha frente.

- Não me entenda mal, moça. Eu apenas não vejo o porquê das pessoas utilizarem a palavra ‘normal’, entende? Muitos me julgam por andar de terno e gravata por aí, muitos me criticam na verdade. Talvez isso seja o mais interessante em não ser normal: a capacidade de surpreender a todos. Eu sei que às vezes temos medo do desconhecido, ou diferente. Normalmente, agora eu estaria na minha área de conforto, meu escritório, porém, o mais interessante de você sair às ruas é ver o diferente a sua volta, por que convenhamos, qual ser pensante pensa da mesma forma? Talvez eu esteja equivocado sobre essa teoria, talvez não. Mas o interessante em ser um homem pensante nesse paradoxo que chamamos de Terra, é que sempre existe lugar para teorias, algumas boas outras nem tanto.

Talvez eu tenha feito uma cara engraçada, ou talvez eu estivesse toda pintada de palhaça, por que após o que falou o moço de terno preto e olhos como tais, levantou o rosto, pela primeira vez da sua bebida, e sorriu. Não era um sorriso como aquele primeiro que ele dera, esse era mais ingênuo, mais amável, mais humano do que qualquer outro sorriso que já vi, e foi simplesmente fascinante. Ele me olhou, ou melhor, me viu. E sorriu novamente com uma enorme facilidade, que corei.

- Por que me olhas assim, moço?

- Assim como?

- Como se eu fostes a noite.

- E não eres?

- Por que a comparação? Achas-me tão obscura como a mesma?

- Ai que se enganas, minha cara. A noite pode ser “escura”, mas não é em hipótese alguma obscura. A noite esconde segredos que ninguém jamais seria capaz de aguentar, esconde dores que ninguém seria capaz de suportar, e é sobre ela que as mais lindas histórias de amor acontecem. Então faça-me novamente a pergunta.

- Por que me comparastes com a noite?

- Por que eres misteriosa como a mesma, Tu esconde-se por trás daqueles que brilhas mais e observa, Tu eis a própria personificação da noite, pois assim como ela aprendeu com a vida a coisa mais importante, e que todos deveriam aprender.

- E o que foi?

- A capacidade de suportar.

Não sei por que aquele estranho estava me falando àquelas coisas, e muito pior me permiti ficar lá para saber. Pois sabe, quando as pessoas começam ver através da máscara que você construiu há anos, o melhor a fazer é levantar, pedir licença e sair.

- Moça - disse o homem de terno e olhos pretos como tais, ainda sentado, e agora fitando sua bebida enquanto eu me levantava - talvez não seja correto desvendar os segredos e a vida de ninguém sem antes conhece-los, talvez o Holocausto tenha sido uma monstruosidade ou apenas um simples reflexo do que somos, mas o que eu quero mesmo dizer-te é: não tenha medo. Talvez ele já tenha a machucado e te tornando a noite, porém uma coisa que não pensei em falar é: até mesmo a noite com sua imensidão negra, uma hora cansa e dar lugar para a luz na sua vida. Não temas o desconhecido, o abraças, caso contrário, não poderás mais ser à noite, e sim, a solidão.