A criança e seu mundo.

O primeiro choro. Que alegria para a mãe. Quanto sofrimento para o filho: o ar queimando seus delicados pulmões e descolando suas paredes com violência; uma nova pressão em torno de seu corpinho frágil, não mais aquela sensação de leveza que lhe proporcionava o meio aquático do útero materno; o frio de um mundo onde em algum lugar deverá existir calor. Veio ao mundo um novo ser, ao nosso mundo e que agora repassamos todas as responsabilidades para ele: o mundo dele – o mundo infantil!

Comer, dormir, ir descobrindo as coisas pouco a pouco, cercado de atenções, sendo respeitado em todos os lugares e por todos. Não há quem não se curve diante de sua majestade, a criança. A liberdade do andar, falar, rir e chorar quando lhe vem vontade.

Aos poucos descobre que existem outras crianças como ela, que também estão aprendendo, vendo, sentindo. Suas primeiras trapaças, natas ou não. Conversa, já discute, vê televisão, sente o mundo tão pequeno que cabe na palma da mão. Ele pode voar e é um super-herói, super-vilão, usa raio laser, destrói aquilo que lhe desagrada, constrói castelos no ar, vai a lua, cai na terra, nada o desanima, nada o machuca.

Céus, que cansaço, que preocupação essa criança me dá: tão pequena e tão sabida, tão esperta; fala com propriedade de bombas atômicas, defende seu time, xinga seu adversário – onde foi que ele aprendeu tanto palavrão?

Pai, viu só a guerra no outro lado do mundo? E a fome no outro lado do país?

Filho, pegue seu caminhãozinho e vá brincar com seus amiguinhos.

Agora pai, eu vou com o foguete do Flash para Marte e depois passaremos em Saturno – está cheio de aliens!

Caminhãozinho? Que coisa velha!!

Segura o joy stick com firmeza, ajusta suas armas, carrega, se prepara para a grande batalha de sua vida.

Se “morrer”, game over, reloading, começa de novo.

Tudo tão simples – matar para não ser morto e se morro, reinicio! Simples Assim!

A criança e seu mundo, mundo que eu conheci, tão imenso reduzido perante a ela a uma pastilha. Antes eu brincava, corria, caá, me machucava, levantava tirava as farpas do joelho ou do cotovelo ralado e continuava; e depois ia aprendendo.

Agora, hoje, se aprende brincando, jogando na televisão, no console, matando, trucidando, estuprando, mas tudo de mentirinha – virtual dizem!

Criaram neuroses infantis, psicoterapeutas, ludoterapia, traumas de gravidez, traumas de parto, falhas dos pais, a escola não orienta – a indústria alimenta - crimes de lesa humanidade.

- Paiê, o que é uma usina atômica? – Medo do escuro, tudo é bandido e mocinho anda a pé; o bem nunca vence mas deixamos para o próximo capítulo mais uma batalha a favor da moral e dos bons costumes – Me compra Playboy, paiê?

Paiê, o que é corrupção? Não é o presidente que manda? Quando a gente brinca de juiz não é ele que condena os bandidos? Os bandidos não morrem mais?

As crianças vivem em seu mundo, mundo de fantasias, mundo criado por nós, corrompido por nós, então nos perguntamos: como viverão essas crianças em mundo tão conturbado, tão arrasado pelos adultos?

- Vamos brincar filho, pegue seu capacete e seu revólver; vamos ver quantos guerreiros você matará hoje e amanhã; quem sabe você será um grande chefe, um líder guerreiro, um chefe de nação!