Noites seguras e vazias

Maristela já não era a mesma. Não sei bem se foi ela quem mudou ou se eu estava um pouco arrependido por ter deixado aquilo ir tão longe.

O fato é que aquela noite de bebedeira, mais a empolgação de ver meu melhor amigo se rendendo a um "compromisso sério" tinha rendido também para mim, uma argola no dedo.

No início tinha sido empolgante. Eu, recém-saído da faculdade com emprego garantido; me sentia tão maduro e ousado depois da décima tequila que achei natural fechar o pacote com uma noiva.

E era isso que agora Maristela era. Minha noiva. E sinceramente eu começava a me irritar profundamente com a idiotice daquela noite.

Não que ela não fosse uma boa garota. Isso ela era. Família estruturada, um namorado antes de mim, religiosa e é claro, para os olhos da cidade, era virgem. E eu, no auge alcóolico daquela noite fatídica, levei isso em alta consideração e de quebra, alimentei um pouco mais meus conceitos machistas.

Por muitos domingos eu representei com perfeição meu novo papel. Almoços com a família, conversas intermináveis na sala e, obviamente, planos para o casamento que seria tão logo pudéssemos construir e mobiliar nossa casa. Tudo correto, tudo à moda antiga, tudo que justificasse com honra o branco do vestido de véu e grinalda.

Mas, passada a empolgação de me ver bem cuidado à base dos pudins que Maristela caprichosamente fazia para mim, eu comecei a ver a enrascada em que havia entrado.

Agora estava ali, feito um idiota, girando aquela aliança no dedo e olhando a vida passando. E justamente onde eu tinha escolhido para pensar sobre aquele problema que agora eu carregava no dedo? A festa de aniversário dela.

Exatamente isto... Ela. Aquela que vinha atormentando meus pensamentos e dando vida a ideias tão proibidas que até no escuro do meu quarto me constrangiam.

Ela, que me assombrava nas noites quentes com seus vestidos vaporosos e seus olhos de mistério a me prometer cheiros e suores que nem em um milhão de anos eu sentiria se não fosse na pele dela.

E foi, ali, no meio daquela espécie de provação divina ou infernal, não sei bem, que resolvi colocar na balança minha futura vida de marido seguro em tardes longas... Conformado com as noites tranquilas de sexo raro e previsível.

E justamente quando eu suspirava naquele dilema que de terrível não tinha nada, já que meus instintos gritavam muito mais que a razão, eu a vi.

Ela dançava e ria, completamente alheia aos meus pensamentos, mas totalmente ciente do efeito que causava em todas as mentes masculinas. Sem exceção...

Uma saia azul rodada que tocava os pés descalços, uma blusa branca que marcava o ritmo de sobe e desce dos seios com marcas do sol daquela tarde. Uma cena inesquecível para qualquer mente sã, que dizer da minha que perdia agora para o sangue que circulava em minhas veias e insistentemente me lembrava da minha cada vez mais visível condição de homem.

Larguei o celular sobre o balcão, me segurando para não registrar aquela cena com a qual eu, com certeza, me satisfaria um animal assim que me visse sozinho.

Pedi uma dose dupla de qualquer bebida. Tomei o primeiro gole e senti o fogo descendo pela garganta e tomando conta do meu peito. Calor. Suor... Os cabelos longos dançando ao vento. A boca aberta em um sorriso.

Que sons sairiam daquela boca se eu pudesse prová-la?

Outro gole e uma tentativa desesperada para controlar minha natureza de macho.

Um cara grandalhão com cara de babaca tenta segurá-la pela cintura. Eu largo a bebida e sinto um gosto de sangue na boca. Vou matá-lo. Arrancar a cabeça, mastigar o coração do maldito!

Ela o empurra e para de dançar. Eu relaxo um pouco para logo sentir novamente minha garganta se fechando. A saia azul vem em minha direção.

"Uma água com gás", ela pede ao barman tão abobado quanto eu.

Vejo os cabelos molhados e grudados na curva dos seios, ouço a respiração e sinto o cheiro do suor exatamente como eu sempre imaginei.

Instintivamente coloco a mão no bolso tentando esconder o que agora, com certeza, era um baita de um problema.

Ela toma a água e olha para mim. Tontura, sangue, choque, hormônio, instinto... Eu, buscando em todos os meus poros a prova irrefutável da minha masculinidade para fazer frente a ela...

O sorriso vem enigmático. A princípio não sei bem o que significa, só sei que está ali. No rosto com covinhas a se exibir para mim.

Subitamente me sinto muito forte, muito homem e até inteligente.

Sorrio de volto e ela diz alguma coisa. Respondo no automático ainda pensando o que farei em seguida.

Ela então, toma mais um pouco da água e com uma expressão divertida estende as mãos para mim.

Eu a olho chocado. Minha cabeça galopa, busca explicação e então eu compreendo. Ela quer dançar. Eu também! Ah, como eu quero!

A coragem para tirar a mão do bolso e me livrar daquela aliança vem tão forte quanto o desejo que sinto por ela. Uma espécie de alivio. Um tipo de êxtase criado à base de muita testosterona ao saber que sou o escolhido, o macho alfa dentre todos.

E ela? Ah, ela... Toda lânguida e entregue a me chamar para aquela espécie de acasalamento oficializado sob forma de dança e onde eu irei senti-la, cheirá-la e apertá-la...

E justamente quando eu abria meu sorriso mais absurdamente satisfeito, Maristela brilha e fala comigo através do toque diabólico do celular: "Atende, amor... Atende, amor... Atende, amor..."

Vi seus olhos claros cheios de frustração quando ela riu novamente, deu de ombros e deixou para trás o seu cheiro absurdamente delicioso. Cheiro de mulher, que em segundos seria só meu...

Maristela e eu nos casamos três meses depois. Por muitas noites, antes que eu finalmente me tornasse um homem casado, rodei pelas ruas da cidade tentando criar coragem e dizer para ela que sonhos terríveis, onde ela dança nua na chuva, me atormentavam todos os dias.

Nunca consegui.

Hoje, alguns anos depois, meus olhos ainda varrem os ambientes à procura da mesma saia azul. E quando a mente se torna sádica e grita algumas lembranças, busco-a também nas estradas por onde ando, nos vinhos que nunca bebemos e nas viagens que talvez com ela fossem sim, perfeitas.

Minhas tardes, como previstas são longas e seguras e minhas noites, vazias... Tão previsíveis quanto eu sempre imaginei.

Edeni Mendes da Rocha
Enviado por Edeni Mendes da Rocha em 29/09/2015
Reeditado em 29/09/2015
Código do texto: T5398378
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