A Democracia dos Animais

Há muito tempo atrás quando o homem nem habitava a terra, os animais andavam, falavam e faziam suas festas. Nesse tempo, aqui no norte era comum encontrar em cada esquina jacarés, garças, onças, urubus, sabiás, macacos, corujas, cobras, papagaios, o búfalo e lagartos, entre outros e as lendas da mata. Tudo era muito liberal, pois cada qual fazia o que lhes dava na cabeça, assim a desigualdade, as traquinagens e a injustiça eram normais.

Até que o macaco e a coruja, confabulando, ouvindo as muitas reclamações de seus amigos, apoiados também, ao medo natural do futuro, foram pensando equanimemente e idealizaram a forma de se proteger e proteger a todos.

Desta feita pensaram em um animal mais forte para proteger a todos por ali, da carnificina sem igual que acontecia dia a dia e elegeram o leão. Dessa forma, ou melhor, pela necessidade de proteger os seus, foram até o leão e lá expuseram a situação e projetaram o futuro na possibilidade da situação chegar aos filhotes dele. Preocupado resolveu aceitar impor um governo, a partir dali. No trato ficou certo também, que se os animais questionassem algo a idéia era dizer que foi demanda divina. Trato feito e trato confirmado, o macaco e a dona Coruja foram-se.

Acontece que o leão, pensando em se eternizar no futuro governo, convocou os leões e juntos aliançaram-se a fim de mantê-lo no poder e que este seria passado de pai para filho da mesma espécie.

Convocada uma reunião no final da tarde do outro dia, toda a bicharada estava presente, inclusive o macaco, a dona coruja e leão.

- Meus amigos! Dizia o macaco, que gozava de prestigio na mata.

- Pensando em nossa segurança e vendo a desarmonia do dia a dia, bem como obedecendo ao clamor de todos e principalmente atendendo a demanda divina, resolvemos indicar o leão para governar a nossa mata e a partir de hoje ser o responsável pela segurança de cada família por aqui.

Entrou a dona Coruja:

- Vale dizer, que a indicação aconteceu pelo conhecemos do leão. Ele aos olhos de todos é o mais forte dos animais e assim não haverá o que temer. Até porque eu e o macaco seremos os seus conselheiros.

Depois do silêncio inicial, após a fala da coruja rompeu-se o silêncio e todos num grito só comemoravam, quando o búfalo sem pensar falou:

- Calma meus amigo! E todos cessaram para ouvir.

- clama! Repetiu o búfalo.

- Me diga macaco, ou dona coruja, que a tenho muito sabia. Por que tem que ser o leão o rei e não eu, que sou muito forte? Eu também posso ser a lei.

Mal terminou de falar e o leão, que estava em silêncio, o abocanhou em dois tempos. Tirando do ar qualquer um que pensasse em falar ao contrário. A plateia, que tinha no pensamento a mesma ideia de questionar se calou imediatamente, com a resposta do tão indicado rei.

Passado aquele episódio, o leão, que agora era o rei chamou ao seu aposento o macaco e a dona coruja e mostrando a sua sensatez, embora tenha escrito na alma de todos a sua convincência ao cargo posicionou-se:

- Meus leais súditos e conselheiros, quero pedir-lhes desculpas pelo episódio, mas impensado ou não, achei conveniente fazer o que fiz para mostrar poder e não ser ameaçado.

Ouvindo dona coruja olhou para o macaco, que compactuaram de um silêncio momentâneo, rompido pelo que falou o macaco:

- Não foi de bom tom o que o senhor fez, pois se começamos um governo com essas atitudes, não se implantara o respeito, mas o medo. E a intenção era abolir o medo e não governar através dele.

O rei respondeu sorrateiramente:

- realmente fui instintivo demais, por isso preciso de vocês. Não refleti adequadamente, apenas me irritei com aquele posicionamento ridicularizando a minha pessoa, lamento e posso dizer que não mais farei tal coisa.

O que o rei não esperava era que o macaco, muito astuto, e a dona coruja, sábia o cercassem e assim normatizaram:

- senhor, pensando no acontecido e no que disse idealizamos e lhes apresentamos esse documento que creiamos não vai se negar a assinar, visto que reconheceu o seu erro e não quer mais incorrer nesse erro.

Com a cara fechada e sem dizer nada, o soberano se aproximou do documento e percebeu que ali estava a carta, a lei, que iria causar a sua execução, se caso voltasse a cometer erros em sua administração. Mas como não podia demonstrar ainda, as suas reais intenções afloradas por sentir o poder nas mãos, de olhos fechado teve que ceder e assinar. Pois não queria transparecer o que realmente tomava conta de sua vontade.

Disse o monarca: - Pois bem, está assinado. Vamos então ao que realmente interessa.

E a dona Coruja e o senhor Macaco em conjunto com o rei começaram a tratar de outros papeis. A dona Coruja apresentou a idéia de construir a primeira escola, onde todos daquela sociedade poderiam aprender a ler e escrever, oportunizando, assim, a todos o direito de participação em todas as ações do governo.Por sua vez , o senhor Macaco apresentou o projeto de segurança, de saúde e lazer.

Foi ai que o rei leão teve a idéia de nomear os de mesma espécie para cuidar da segurança, nomeou o macaco para a área de lazer e saúde, bem como nomeou a dona coruja e o senhor papagaio para cuidarem da educação.

Dizia o macaco a dona Coruja: - Minha amiga, se a gente não desarmasse o rei, com aquela normativa e com o surgimento da escola hoje ao invés de harmonia seriamos alimentos de uma tirania sem par.

- É meu amigo, você pensou rápido, mas temos que estar pensando na frente, pois esse felino não é tão devotado ao que estamos fazendo, pois ele está aprendendo e logo, logo vai preparar o bote.

- bem sei comadre, mas estou pensando numa saída e nada me vem à mente. A senhora que é mais letrada, não tem pesquisado algo, que façamos para tirar o poder desse soberano irrequieto?

- Não tive tempo de olhar bem os livros. São tantas as situações na pasta da educação, que nem sei. Mas descansemos, ele não é tão didata. Não oferece riscos, com a inteligência voltada só para se alimentar.

- É deixemos de divagar. Acho que enquanto estivermos lá ele não se atreverá. Ademais o povo está aprendendo e logo se incumbirá de suas responsabilidades sociais, para controlar também o poder em excesso.

De forma que os dois secretários foram-se, cada um para o seu rumo e tudo ia numa evolução adequada. O povo aprendendo a ler e a escrever, o rei normatizando, os leões cuidando da segurança e os secretários cuidando da saúde, da educação e do lazer.

Acontece que nem tudo permanece como tem que ser e antes que a Democracia se firmasse, antes que o macaco e a coruja achassem um antídoto para conter a descoberta do poder real tutelada pelo soberano, naquela noite de insônia, o rei, de um lampejo, que um sonho lhe martelou a cabeça, mandou chamar um de seus fieis escudeiro e disse:

- Não tenho mais que ficar subordinado ao Macaco e a Coruja ou a outro animal. Se vocês me apoiam, coloco você junto comigo no poder e seremos os dominadores. Acabaremos com essa ordem e impuseremos a nossa ordem.

Disse então o leão súdito: - Senhor seja feita a vossa vontade. Se assim o quiser, faremos e em dois tempos seremos só nos a mandar.

- Perfeito, então prendam o Macaco, o papagaio e a Coruja. Jogue-os no calabouço e afixem nas paredes dos prédios da Educação, do teatro e na praça, as normas que eu determino.

Mal amanheceu o dia e os leões estavam à porta da casa do macaco, que fora preso com as mãos num plano para cobrar os tributos, a fim de garantir recursos para os serviços sociais. Perguntou a acusação e lhe foi lida com firmeza:

- Senhor Macaco o senhor está preso por insuflar desobediência ao rei.

Dizia o Macaco em sua defesa, que por subestimar o rei perdeu o tempo fazendo aquele plano: - Não compreendo o que está acontecendo aqui, pois enquanto passei a noite trabalhando vocês me agridem em minha casa, com a voz de prisão. O que fiz de concreto ao rei? Se até aqui só fui leal.

- Ora macaco, todos sabem que desde o inicio você só quer comandar as ações do rei.

- Não é isso, apenas quero salvaguardar o direito de garantir ao povo o que pertence a ele. Pois o rei aqui, precisa se conscientizar, que ele é o servo e o povo é o dono. Pois para se ter uma ordem, ninguém pode está acima da lei, nem o povo e nem o rei.

Mesmo assim o Leão, súdito do rei, não quis saber e pegando o novo projeto levou o macaco para o calabouço.

Ao chegarem à casa da coruja, ela estava desenvolvendo um projeto para ampliar o tempo na escola, onde as crianças teriam oficinas de teatro, esportes e música, para depois envolver a sociedade num grande movimento cultural e artístico, que resultaria numa grande evolução social. E presa logo foi falando:

- Não me toquem seus lacaios. Eu já esperava por isso, embora o macaco subestimasse o rei, só não pensava que fosse tão depressa.

E assim foi com o papagaio e assim foi com o coelho, e assim começou a ser quando alguém não pagava os tributos, plano sobre o pagamento de imposto aprovado e colocado de imediato em prática, nas ruas do dia a dia.

Passado o tempo, a escola fechou, o teatro fechou e a reunião a praça foi proibida. E quem nas esquinas fosse encontrado conversando com mais de uma pessoa era de imediato preso e colocado no calabouço. Os tempos eram difíceis, a corrupção tomou de conta do poder. Pois o povo trabalhava só pra ostentar a riqueza e as festa do rei e seus súditos. Não havia harmonia e a paz a cada instante se tornava um víeis de um sonho impossível, pois aquele povo apenas seguia os ditames da moda, do prazer e do consumo exacerbado.

Passaram-se dez anos e a dona coruja veio a falecer esquecida no calabouço. Morrer era parte do processo de governo, pois o leão mais moço se rebelara contra o monarca, que já era idoso e queria o seu quinhão de poder. E quanto mais se alongava o processo separatista mais o povo sofria, com mortes, doenças e miséria.

Foi na escuridão do calabouço, enquanto o rei e o seu sobrinho degladiavam-se pelo poder, que muitos lamentavam a morte da coruja, que o macaco teve uma ideia. E maquinando, pensou primeiro que tinha que sair dali.

Então bolou um jeito de fugir, quando eles viessem pegar o corpo da coruja, para enterrar. Assim, quando o coveiro veio, ele gritou e chorou que queria ajudar e prestar as homenagens a sua amiga. Compadecido o urubu, quem era o coveiro não negou e abriu a sua cela, após os momentos fúnebres o urubu esticou uma mortalha no chão para colocar o corpo. Nisso o macaco pede água e enquanto o urubu foi atrás, ele arrasta o corpo da coruja para a sua cela e entra no saco da morte, para ganhar a liberdade. Pois quando o urubu chega compressa ver que tudo está calmo e o detento esta em sua cela e há um corpo na mortalha.

Lá se vai o urubu sem dizer nada e enterra aquele corpo no arredor do palácio do leão, que em função da discórdia com o seu sobrinho nem lembra mais da morte da coruja ou muito menos do macaco e por isso, pouco importa ao urubu. Negligente ele enterra e vota a sua função de lacaio do rei.

Depois de passar a noite toda cavando, o macaco consegue sair da cova dizendo:

- Enfim, trago em mim o gosto pela liberdade do povo. E desse dia em diante, mesmo sendo a minoria, não sossegarei enquanto não restaurar a ordem. Pois que, mais do que se acredita cada um de nós temos um pouco de rei, como o rei deve ter um pouco de povo. Se assim não houver com todas as letras, esse equilíbrio necessário; há que se ter a tirania ou o oportunismo de ver nas mãos o poder apenas para si e a miséria para o povo.

E dizendo isso, do fundo da alma saiu da cova e buscou refugio na mata. A partir daí as noites começaram a contar como a luz da esperança, em meio ao caos.

Naquele tempo o silêncio era para os sábios e a voz era para os mortos. O rei foi morto semanas depois pelo sobrinho, que foi ao poder e logo de cara, sem tomar conhecimento de quem era quem, mandou executar todos os presos no calabouço.

Viviam-se dias piores, o povo pagava muito imposto e os serviços não eram de qualidade. As escolas, o teatro e as praças continuavam proibidos, havia corrupção em todos os cantos, ninguém confiava em ninguém e as noites, como os dias eram de uma insegurança total. Tudo parecia muito difícil e o povo passava miséria.

Mais um período no ostracismo e o macaco, na surdina começou a articular as suas idéias e pelos cantos se ouvia alguns corajosos gritando ou entregando panfletos de liberdade já. Aos poucos os animais foram aderindo ao movimento silencioso, que fora denominado “Diretas já” e num outubro de um ano qualquer, o macaco e o povo da mata unidos marcharam contra toda aquela corja de corruptos e desordeiros, num grito que intitulou-se “ DEMOCRACIA”. Pois quando o leão sobrinho se deu conta, da febre que estava envolvendo o povo da mata, o máximo que pode fazer foi se entregar sem lutar, para ser julgado por seus exageros, enquanto no poder.

Na oportunidade, apareceu o macaco e discursou restaurando a ordem:

- Meus amigos, a partir de hoje, que sejam lembrados os amigos que perderam a vida sem usufruir o bem, que esse Estado tem a obrigação de fazer por todos nós. E também firmar aqui, que jamais devemos pensar que o soberano deve ser o mais forte ou o mais rico, o mais belo, o mais inteligente ou o que se pinta de mais; mas sim, qualquer um que tenha na mente e no coração a divina intenção de antes de ser o senhor, ser verdadeiramente o servo. Por isso, decreto aqui, desde já que indicaremos o novo soberano por eleição, pelo direito de qualquer um de governar, lembrando sempre, que o poder é do povo e toda e qualquer serviço ou trabalho deve seguir ao povo, para promover o bem estar social. E que ninguém deve obediência, se não a lei. E como interino declaro, que a ordem está restabelecida, com isso abram-se a escola, pois que, povo, seremos se não valorizarmos a educação? Deixem as portas do teatro abertas e as praças, povoem para que a noite sinta o calor de todos e o amanhã seja mais do que uma simples esperança, seja uma realidade.

Não obstante a fala do macaco e ele foi ovacionado no governo da mata e que durante esse período, fez mais escolas, mais praças e teatros, assegurou a segurança, reduziu os impostos, direcionou adequadamente os gastos e foi confirmado ao poder por mais três anos, quando enfim tiveram a eleição direta e elegeram a senhora Garça, para dar seguimento a um governo sempre pautado para as necessidades do povo.