Meire - Ainda em construção :)

Meire não saía de casa sem antes passar uma camada de batom nos lábios e os dedos pelo cabelo, ajeitando-o. Fosse buscar os filhos na escola ou ir ao banco, ela estava lá, afofando os cachos, inclinada ao espelho.

Dessa vez, se arrumava mais neuroticamente, era ano-novo, ora bolas!

Enquanto ajeitava a roda do vestido, apontava para lá e para cá, dando ordens ao marido e às crianças, que tinham a cabeça baixa e os olhos esmaecidos. Depois, enfiaram-se todos dentro do carro, os meninos com suas camisas-de-botão-de-uma-vez-por-ano atrás, Meire no passageiro, ainda ajeitando a saia do vestido, e o marido ao volante, suspirando, quieto. Passaram no mercadinho mais próximo comprar cidra – luxo que nenhum membro da família se daria em dias normais – mas era ano-novo, ora bolas!

Era festa de família; eram três irmãos e um deles – o mais rico de todos – se ofereceu para uma ‘’festinha’’ em seu ‘’espaço para lazer’’. Nunca chamava de chácara, era apenas ‘’espaço para lazer’’, para que todos saibam que ele tinha dinheiro o bastante para tratar cada propriedade como um cômodo. E todos os outros irmãos sabiam que não seria festinha – festinha tem bolinho de queijo, guaraná Dolly e o direito de pôr os pés sobre a mesinha de centro – mas festa, a palavra formal, com canapés, cerveja cara e nenhum conforto. Todos, até o irmão rico e sua mulher, preferiam as frituras e o guaraná vagabundo, mas ora bolas, era ano-novo!

Chegaram antes que todos, se cumprimentando com certo cuidado, ressabiados uns com outros: faziam alguns meses que não se viam.

Aconteceu aquela coisa de sempre, Meire elogiava a casa, a cunhada, Márcia, elogiava os filhos, ‘’Dois anjos!’’, e todo mundo se sentava a mesa, meio em silêncio. Meire fingiu não notar que a cada final de ano sua cunhada parecia mais magra e mais loura, e Márcia fingiu não notar que a cada final de ano Meire trazia mais cidra. Apesar de antagônicas, as mulheres não se odiavam, não. Antigamente se davam melhor; isto é verdade, antes de César enriquecer. Parecia que a cada moeda a mais, eles se distanciavam, como se todo aquele dinheiro requeresse outro tipo de modos, de amigos, de casa, de roupa, de fala, de talher e de amor; já pareciam outros. Ainda carregavam almas e nomes simples, e parecia que era só o que restava. O que tentaram sofisticar ficou com aspecto pirata: era bem claro que não haviam nascido em berço de ouro, e muito longe disso.