Eu Bebo Sim

Senhor João era o sapateiro da rua do fio, que consertava qualquer sapato e colocava os velhos como se fossem novos.Todos os dias era uma fila em frente de sua sapataria.Freguesas e fregueses antigos e novos disputavam o tempo daquele senhor, que segundo ele sempre dizia não estudou porque queria ser jogador, mas como não conseguiu preferiu ficar perto do pé da mulher e ai se apaixonou.

Clarinda era a sua esposa, mas desde o dia em que ela se foi, mesmo cantarolando notava-se certo desconforto no seu ambiente e quase sempre, pelo menos quem o conhecia mais, dizia que o velho, vez por vez se acaba em lágrimas de saudade. E foi assim até que ele encontrou o amigo de todas as sombras, a mardita da cachaça, como reclamava noite e dia a sua sogra.

Ainda compromissado, sempre dava conta do recado e ganhava um bom dinheiro. Porém a medida que a paz interior ficou ameaçada, ele foi se bandeando para o vício e não tinham ninguém que o impedisse. Pois a principio, não ligaram, até entendiam como uma terapia, mas os anos passaram e ele foi gradativamente sendo vencido.

E ai começaram os atos de irresponsabilidades, pois pegava trabalhos das madames e já não os cumpria, recebia metade do dinheiro gastava no bar e não terminava o serviço.

Aos poucos a freguesia foi se afastando, foi esquecendo e o sapateiro artista começou a se perder no palco. Já deixava o local só, com as poucas encomendas, que quase sempre tinham um destino diferente. Quando não eram assaltadas, não eram concluídas ou o serviço não se aproximava da qualidade.

Muitas reclamações, muitas confusões aliadas a pequenos processos na delegacia do bairro, até que a velha sapataria ficou abandonada e o sapateiro jogado nos cantos das tabernas totalmente embriagado. Agora o difícil era encontrá-lo sóbrio, pois o vício já era normal.

Sua família envergonhada, sua sogra preocupada e os poucos amigos sempre levando-o a clinicas de recuperação, que não davam muito certo, foram enfim calados, quando em noite de chuva fina se depararam com a noticia de que o ex sapateiro, encontrava-se em meio a um capinzal enlameado com uma garrafa de velho barreiro, na esquina de um sinal, a passos trôpegos.

Quando filhos e amigos se dirigiram para lá chamando pelo nome do sapateiro, só os grilos e a chuva respondiam aquele silencio fatídico.

Mas um momento, e o mistério se encerrou com o sofrimento. E aquele que em vida se chamou João, conhecido como o artista dos pés ou simplesmente o sapateiro, agora dormira para sempre sob lágrimas de amor dos filhos e saudade dos seus amigos.