A voz da solidão

Alma, pacientemente esperava a chuva passar, sentada na cadeira de balanço, perto da lareira. Seu rosto, por detrás de um invisível véu cinza, desabrochava um ar melancólico, esculpido pela dor. Alma nascera do lado estreito da vida. Tudo foi sempre muito difícil para ela. Mulher franzina, triste e solitária. O casebre onde Alma morava ficava distante do povoado; era escuro, de cor verde musgo, úmido, cheio de limo nas paredes. Cheirava a mofo, parecia abandonado. E era ali, naquele lugar, que ela vivia ao som da sorte, daquela que esperava bem vagarosamente a morte.

Ela tinha o costume de caminhar pelo campo no lusco-fusco. Gostava de sentir o vento no rosto do desabrochar da alvorada. Essa era a hora que sentia viva a presença de seu falecido marido. Enquanto caminhava na alvorada fria, procurava algum sinal do seu grande amor Ludovico... Que lhe escapara por entre os dedos naquele dia maldito. A dor infinda deixava Alma contemplar bem do fundo a destruição de seu pequeno mundo. Em seu íntimo, desejava intensamente ser sempre, aquele, o seu último segundo.

No silêncio do lusco-fusco frio, ouviu o pio da coruja, que mais parecia um canto de dor em resposta ao seu clamor. Seus olhos, atentos no horizonte, brilhavam. A coruja assustada alçou voo. Já era hora de recolher-se. O barulho de suas asas confundia-se ao do vento. Foi quando alma avistou um vulto ao longe, na neblina do clarear do dia. Fora em direção ao vulto, com o corpo curvado pela idade, muito fraca. Na mão, carregava uma bengala; no peito, um coração acelerado que pressentia estar errado, no entanto, arriscava-se pelos estreitos e esburacados caminhos.

Durante o percurso, em meio aos tropeços, trazia nos olhos os tons sombrios iluminados ainda pela lua que se despedia. Memórias de seu passado etrusco a envolvia. No pensamento, um acalento a embalava; as lembranças de sua única e eterna companhia.

- Olá! Quem é você? Ludovico espere! Não se vá, quero lhe falar! - grito surdo de sua dor.

Com as mãos geladas, enrolou o cachecol no pescoço e, apressada a seu modo, avançou em direção ao desconhecido, na ânsia de rever seu amor perdido. Escutou ruídos silenciosos, o ranger de galhos, enquanto via a sombra fugir e, embaçada, sumir. Mais uma vez, bateu no coração a saudade, uma dor profunda que a consumia e a levava ao limite da solidão. Desorientada, perdida, desiludida, precisava voltar para casa. Não havia outro lugar no qual pudesse descansar. Tinha que ser ali, naquela casa escura, onde fazia de seu corpo franzino sua própria sepultura. Seu único consolo era o retrato na parede do seu amor morrido.

Depois de acender o fogo da lareira, sentou-se na cadeira de balanço. Sentindo-se impotente, olhou fixo para a parede onde se encontrava o retrato do marido morto, que por um instante lhe pareceu vivo. Olhava-a tranquilo, como que para consolá-la. No silêncio, pairava o som do balanço da cadeira que rangia. Seu olhar confundia-se à meia luz amarelada. O tempo inflexível, diante dela, jazia. Com as mãos trêmulas, pegou a caneta e um pedaço de papel velho que estava em cima da mesa, e eternizou, naquele instante, o seu único desejo ardente:

“Aqui vaga uma alma viva, que escreve para seu grande e único amor, que lhe resta apenas um desejo na vida, o último suspiro sem dor”.

A infeliz definhava na cadeira de balanço. Sentia, na calada da alvorada, sua morte anunciada pela voz da solidão. Ficou ali parada a contemplar o retrato do seu amado Ludovico. Em seguida, deu seu último suspiro.

Alma, morta, restava-lhe apenas o ruído do papel e da caneta, caídos de suas mãos frias e tortas, no caminho estreito, que tinha recebido da vida por direito. Agora, já sem vida e sem dor, tinha apenas como única companhia o retrato do marido na parede, que expressava um delicado sorriso e que parecia dizer:

“Adeus, Alma minha querida. Ao menos uma vez, meu amor, fora feliz como quis, sem dor, em sua solitária e silenciosa despedida.”

FLORILÉGIO - 2015

Sandra Ferrari Radich
Enviado por Sandra Ferrari Radich em 20/10/2015
Reeditado em 02/11/2015
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