"Morena, Linda, Sensual, de Olhos Verdes" = Romance = Capítulo 13

- Você diz isso porque não conhece a peça. As meninas, felizmente, puxaram pelas avós. Minha sogra era uma pessoa maravilhosa. Eu gostava dela quase tanto quanto de minha própria mãe, que também era uma santa pessoa. Pena que as duas já morreram… Quem precisava mesmo morrer, com urgência, continua aí, viva e me enchendo o saco todo dia.
Beluzzi jamais poderia imaginar que sua linda, simpática, bondosa e sensível amante já havia elaborado um plano perfeito para torná-lo viúvo e absolutamente disponível o quanto antes. E, o melhor de tudo, sem qualquer chance de que ele ou ela viessem a ser incriminados ou ao menos colocados sob suspeita. Era agora questão de apenas mais um pouco de tempo.
O problema mais imediato de Eliane agora era Wilson. O menino já estava ficando chato, impaciente, enciumado da relação dela com o coronel. E isso podia botar a perder a melhor oportunidade que lhe surgira nos últimos anos de vir a conseguir uma vida estável, segura e garantida no futuro. A plataforma de apoio que precisava para chegar onde queria em um futuro o mais próximo possível era o coronel. Claro que ela não se abriria com o garoto. Não contaria nunca a ele tudo que vinha planejando. Amigada por muitos anos com Waldemar, aquele ladrão pé-de-chinelo metido a estelionatário sagaz, nunca quisera com ele casar-se de papel passado. Nada a impedia, portanto, de vir a unir-se legalmente com o coronel se as coisas corressem do jeito que ela desejava ansiosamente. Wilson era o empecilho maior no momento. Muito apegado a ela e sentindo cada vez mais ódio pelo coronel, seria impossível um relacionamento entre os dois. Além do mais, o que diria Beluzzi se a soubesse mãe de um jovem punguista barato e incompetente? Policial veterano, não engoliria com muita facilidade estória alguma que ela inventasse para explicar a atitude do rapazinho. Waldemar não lhe criaria problema. Um pedido feito à pessoa certa bastaria para que ele se tornasse rapidamente alma do outro mundo. Bastaria que houvesse em seus olhos a promessa explícita de uma noite de sexo com um certo carcereiro e Waldemar seria vitimado fatalmente em uma briga violenta na penitenciária. Isso já estava mais do que decidido por ela, faltando apenas marcar a data. Mas, e o menino? O que fazer com ele? Gostava de Wilson. Gostava do carinho que ele lhe dava e de sua preocupação constante em agradá-la. Toda vez que roubava uma jóia bonita, delicada, que valesse a pena possuir, era a ela que ele presenteava. Gostava tanto
tanto dele que o houvesse mesmo parido, como o fizera crer. Quando conheceu Waldemar, menina ainda e recém-chegada a São Paulo, Wilson era um bebê sem mãe, criado pelo pai e por uma irmã deste, uma pateta sem iniciativa alguma. A convivência trouxera o amor maternal que nutria por ele. Acreditou-se mãe de Wilson e nunca imaginou que pudesse ser diferente. Precisava, com urgência, pensar em uma forma eficiente de jamais permitir que os dois se encontrassem. Beluzzi porque reconheceria o menino; Wilson porque fatalmente acabaria cometendo alguma besteira movido pelo ódio. Era cada vez mais urgente uma solução.

Alguns dias depois Eliane ligou para a Editora. Nada a obrigava a isso. A não ser a curiosidade maldosa de saber se o escândalo já viera à tona. Pelo tom de voz do gerente ela poderia calcular como estavam as coisas naquele momento. Diniz era um bom gerente, mas totalmente incapaz de dominar suas emoções ou de segurar a língua até o momento oportuno. Ou ela não conhecia os homens tanto quanto pensava ou Diniz tentaria dar-lhe um aperto por telefone, sem conseguir esperar por sua presença. Logo que a secretária transferiu a ligação para o gerente Eliane congratulou-se. Conhecia bem os homens. O pateta do gerente logo explodiu:
- O que é que você andou fazendo, sua maluca? Isso aqui está o maior pandemônio, uma verdadeira calamidade. Uma calamidade desgraçada. Já veio um monte de gente do interior reclamar de suas falcatruas. A diretoria me deu a maior comida de rabo e eu tô fodido, fodido e mal pago por sua causa. O segundo colocado entrou na justiça pra receber os prêmios que você roubou. Roubou, sua ordinária!! E isso dá cadeia, Giselle. Isso dá cadeia. Dá processo. Dá cana brava. Venha logo aqui me ajudar a resolver essa porra toda que você criou. E venha logo.
Eliane, que na Editora usara o nome de Giselle, esperou até que ele se calasse por um tempinho e respondeu com suavidade:
- Meu querido, não dá pra explicar por telefone. É tudo muito complicado, mas a verdade é que fui vítima de uma trama sórdida. De uma coisa horrível que me aprontaram para complicar minha vida. Você nem pode imaginar como a coisa foi bem feita, bem urdida, bem preparada e eficiente. Mas agora eu tenho como me defender e provar que fui absolutamente honesta o tempo todo. Irei até aí amanhã sem falta. Você me espera a que horas?
- A hora que você quiser, Giselle. A hora que você quiser. Venha, mas venha mesmo. Pelo amor de Deus. Juntos, nós dois daremos um jeito de resolver a coisa em boa paz. Você sabe que fui eu quem assinou a autorização para lhe entregarem os prêmios e o total das comissões. Confiei em você. Se não resolvermos juntos essa enrolação toda, meu emprego já era. Não faça isso comigo não, tá? Você sabe que sempre fomos amigos, não é mesmo?
Eliane despediu-se carinhosamente do gerente, garantiu-lhe sua amizade, e reafirmou calorosamente sua promessa de sua presença na Editora no dia seguinte
pela manhã.
Desligou o telefone rindo. Amigos…Essa foi boa!! O safado do gerente não fazia cerimônia em prejudicá-la em favor da namorada. Quantas vezes ele não passara para a namorada indicações de vendas que deveriam ser dela? Que deveriam ter sido entregues a Giselle? Foram muitas as vezes, e Giselle/Eliane chegou a reclamar abertamente do protecionismo evidente junto ao diretor do território, disposta a ir até a Diretoria Geral. O diretor fingia que tomava providências, ia empurrando com a barriga e deixava tudo por isso mesmo. Só quando Eliane começou a destacar-se muito na produção mensal é que tanto o gerente quanto o diretor mudaram de atitude e passaram a agir decentemente protegendo a nova revelação em vendas que lhes traria lucros sempre. A namorada do gerente passou a ser preterida porque mesmo com as indicações quentes que recebia não produzia metade das vendas de Giselle.
Eliane estava sossegada. Sabia que nada de sério resultaria do que fizera. A Editora não tinha a mínima idéia de quem ela era ou de onde ela poderia ser encontrada. Era absoluta sua certeza de que não havia deixado uma única pista, por menos que fosse.
A louríssima Giselle, de olhos azuis, de mais de um metro e setenta de altura, voltara a ser Eliane, a bela morena de olhos verdes, pele bronzeada, com pouco mais de um metro e sessenta de altura e vários quilos a menos. Nem mesmo do sotaque catarinense de Giselle havia qualquer resquício em Eliane, que com o tempo se tornara uma santista “legítima”, puxando nos esses de maneira graciosa e agradável aos ouvidos, tanto masculinos quanto femininos. Uma das perguntas que mais ouvia em São Paulo era: você é carioca?
Eliane deixou escapar uma risada um tanto quanto alta na rua ao lembrar-se de Giselle, sua última personagem:
- “Que sarro a Giselle…Que sarro! Loura de doer, com os olhos super azuis, um jeito meio desengonçado de andar, fraquinha de vocabulário, de pouca leitura, muita inocência e jeitinho de quem precisava sempre ser protegida contra tudo e contra todos. Tipo da personagem que me deixará saudades. Gostei de representá-la. Minha atuação foi ótima, modéstia à parte. Palmas pra mim.!
De repente sentiu uma forte vontade de, como Eliane, voltar à Editora, candidatar-se a uma vaga, que nunca deixava de existir lá, e voltar a aprontar tudo de novo, divertindo-se com as caras do gerente, do diretor e dos colegas com quem Giselle travara conhecimento.
- Vou coisa nenhuma…Estou de saco cheio de vender livros. Vou é cuidar do meu coronelzinho com todo o carinho do mundo.
= continua amanhã=
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 27/06/2007
Reeditado em 20/07/2007
Código do texto: T542653
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