Nightclub (outubro de 2015)

Eram um casal sensacional. Usavam a roupa da moda, ainda que de forma casual, de tal forma que sua pura presença nos saltava aos olhos. O carro não era exatamente o do ano, mas o do ano anterior e nunca mais velho que isso. A última vez que os vi juntos dirigiam um mercedes prata. Gostavam de se exibir.

Amigos posso dizer que tinham muitos, ou ao menos eram sempre vistos cercados por pessoas. Mas as coisas não são assim. Lúcia e Remo viviam suas vidas cercados por bajuladores. No nightclub encontravam sempre alguns conhecidos que vinham lhes amaciar o ego. Nunca faltavam bajuladores na vida deste casal cuja história narro aqui.

Eu, barman do estabelecimento que frequentava o casal, tive acesso a toda história sobre os dois, e este é um dos motivos de me ocupar de encantadora história. O outro motivo é pessoal. Sempre que vinham a mim me cumprimentavam pelo nome e eram muito simpáticos. Posso dizer que confiavam em mim.

Lúcia e Remo confiavam em que eu lhes mostrasse quem dentre tantos seriam falsos ou verdadeiros amigos. Eu, temeroso por ter que lhes afirmar que ninguém era amigo deles, suava muito e me desmanchava em sorrisos tentando esquivar-me da tarefa difícil de mostrar-lhes o joio e o trigo. Afinal, tinha medo de que me fizessem perder o emprego.

Não tinham limites para as bebidas durante a noite. Em uma virada de sábado para domingo podiam gastar duas vezes o que eu ganhava por mês. Digo ganhava porque já não trabalho mais no mesmo nightclub. Saí de cena quase ao mesmo tempo que o casal. Aproveitei sua retirada de cena para pedir minhas contas e sou bem mais feliz hoje.

O que aconteceu com o casal de quem falo, e o que se sucedeu a mim? Nenhuma relação entre um e outro. Não fazia parte do grupo de amigos de Lúcia e Remo e portanto nenhuma ação ocorrida aos dois podia me alcançar. Os dois faziam parte do clube dos VIP enquanto eu era apenas o barman simpático do primeiro andar.

Em toda minha experiência de jovem de vinte e oito anos bem vividos na noite da cidade grande jamais poderia imaginar o que viria a acontecer ao casal. A bem da verdade, não seria necessário um gênio para adivinhar. Era preciso apenas observar as frivolidades de que se cercavam os dois.

De fato, não tinham amigos. E quem não tem amigos neste mundo não pode esperar muito da sorte, muito de Deus. Juro que me entristeci ao saber da morte de Lúcia e Remo Aviotti. Fiquei sabendo o sobrenome do casal através do jornal. O proprietário fez circular o jornal pelo estabelecimento e também estava chocado.

Pois, o que ocorreu para que viesse eu aqui narrar a morte de um casal que imprimia sua vitalidade por onde passavam? Alguém me dissera que eram profissionais da moda e que os dois ainda desfilavam nas passarelas italianas. Brilharam muito em Milão, onde dizem que se conheceram e começaram a namorar – o que os levou ao casamento.

A triste sorte os alcançou em uma segunda-feira e, passada a semana, no sábado seguinte, seus amigos de noitada não falavam de outra coisa. Ninguém poupou o casal defunto dos comentários jocosos e de gracinhas. Eu, senti-me mal porque como disse sentia apreço pelo jovem casal. E sentia fundo o temor de não encontrar outro igual.

Lúcia Aviotti deu entrada no hospital ainda com vida. Seu pulso estava fraco, mas havia muita expectativa dos médicos em que ela se recuperasse. Deram-lhe medicamentos e ligaram aparelhos na pequena sala de UTI mas, passados dois dias, a jovem mulher sucumbiu à morte terrível que também vitimou seu parceiro.

Seu companheiro teve menos sorte. Quando o socorro chegou, a chamado dos vizinhos, Remo Aviotti já estava sem batimentos cardíacos. Estava morto. Ao seu lado, dentro da banheira, a companheira jazia como se em sono profundo, sono profundo de sonhos delicados, de menina e flor. Assim imagino em minha imaginação como tudo ocorreu.

Mas, o que disse o jornal? Dizia algo assim: “casal de modelos encontrado desfalecido em banheira no endereço em que residiam na última terça-feira. Um amigo, que esperava pelos dois para um compromisso naquela manhã, estranhou a ausência do casal e, depois de ligar várias vezes resolveu visitá-los – quando os encontrou mortos.”

Também disse o jornal: “Acompanhado pelos vizinhos arrombou a porta. Encontrando os dois inconscientes, resolveram todos chamar a emergência. Ele morreu no local, ela no hospital. A instalação de gás no aquecedor do banheiro falhou e um vazamento vitimou o casal. Não deram conta da presença do gás porque este era inodoro.”

Não é pela afabilidade na gorjeta, tampouco nutri interesse por um ou por outro. Mas a gente gosta das pessoas às vezes só por gostar, sem saber o porquê. Confesso que chorei ao receber a notícia de jornal do proprietário. De alguma forma que não compreendo, o acontecimento pareceu acenar para mim que era passado meu tempo naquele trabalho.

Passados dez dias depois da morte anunciada no jornal, pedi minhas contas para o chefe. Não acho que olhei para os olhos dos bajuladores de Lúcia e Remo como de costume. Não conseguia mais servir-lhes os cocktails como antes da tragédia. Não conseguia mais sorrir indiferentemente: agora eu me importava e tinha que cair fora.

Contei com alguma poupança que tinha para sobreviver os outros três meses sem trabalho. Já no quarto mês estava empregado novamente em um nightclub concorrente do meu emprego anterior. Casais sensacionais existem em muitos lugares, e eu os vi: dessa vez com outro nome, outras feições, e outra história de vida. Mas tudo igual.

Gostaria de que o casal Aviotti pudesse lembrar-se de mim. Alguma alegria minha em vê-los felizes morreu com eles. Eram a mercedes prata, eram os bajuladores à sua volta em busca de um motivo para celebrar, era a birita e era a balada. Resta em mim uma testemunha de que há impermanência na vida. Todo caminhar encontra um fim.