"Morena, Linda, Sensual, de Olhos Verdes" = Romance Capítulo 14

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“Wilson, Wilson, meu querido filho, você está se tornando um sério problema para mim. Preciso me livrar de você com urgência, e por um bom tempo. Mas não tenho coragem de fazer nada que possa prejudicá-lo. Se ao menos pudesse confiar em sua capacidade de esperar com paciência, mas sei que não posso nem devo. Preciso dar um sumiço temporário em você. Mas de que maneira, menino? Como posso eu, sua mãezinha querida, sumir com você por uns meses, um ano no máximo? Depois a gente volta a viver juntos, numa boa, com uma vida tranqüila e segura. Prometo a você, e a mim mesma, mas agora eu preciso de sossego para cultivar os sentimentos do coronel. Deixá-lo cada vez mais maluco por mim e seguro de meus sentimentos por ele. Epa, acho que tive uma idéia, filhinho. Vou aterrorizar você ao máximo, fazê-lo tremer de medo quando pensar no coronel e aí você será o primeiro a querer sumir daqui de Santos por muito tempo e por sua própria conta. Felizmente vocês dois se esbarraram naquele dia em que ele veio aqui em casa sem que eu esperasse e ele o viu. Assim minha história, a que vou inventar pra te amedrontar, lhe parecerá mais verídica. É isso, filhinho. O coronel o viu, lembrou-se de você, ficou surpreso por encontrá-lo vivo e agora encara-o como uma ameaça à integridade profissional dele. Se você resolver acusá-lo de ter tentado matá-lo, poderá complicar a vida profissional dele e por isso ele não o quer vivo e já espalhou seu retrato falado por toda a corporação. Melhor, portanto, para sua saúde ficar longe de Santos por um bom tempo. A mamãe irá vê-lo sempre que puder. Combinado? Você sabe muito que tudo que faço na vida é pensando sempre em seu bem estar. Sua felicidade é a felicidade da mamãe. Logo estarei conversando novamente contigo e convencendo-o disso, filhotinho…”

No dia seguinte a estas conjecturas Eliane foi a São Paulo. Contou ao filho as coisas “horríveis” que “ouvira” do coronel. O quanto ele a apertara para que ela contasse quem era realmente o rapazinho que ele vira saindo de sua casa naquela noite, e o quanto custara a ela manter até o fim a história de que ele era o tal Jaiminho, recente amigo de seu filho. Do jeito que as coisas ficaram, explicou ela ao filho, era impossível que ela, agora, nesse exato momento, pudesse fazer alguma coisa contra o homem que tão duramente maltratara seu pobre filhinho. A melhor coisa que ele poderia fazer seria continuar sumido por um bom tempo. Seria melhor mesmo para os dois. Dizendo isso, Eliane tirou da bolsa em gordo maço de notas graúdas e entregou a Wilson recomendando que não se metesse em confusão alguma, que não mexesse com drogas nunca, que levasse uma sossegada mesmo que não quisesse estudar ou fazer alguma coisa útil. O rapazinho abraçou-a com expressão um tanto quanto chorosa, prometeu solenemente que não criaria problemas para ela ou para a tia, mas que ela não deixasse de ir vê-lo sempre que pudesse.
Eliane voltou muito triste do encontro com o filho adotivo. Pela primeira vez encarava a vida de maneira diferente em muitos anos. Que coisa absurda era deixar que um menino roubasse, que enfiasse a mão no bolso dos outros para tirar dinheiro, que vivesse a imaginar mil maneiras de ter dinheiro sempre sem suar a camisa…Ela mesma, que merda de pessoa que era. Uma ordinária, extremamente bonita e inteligente, mas apenas uma ordinária, uma desclassificada que se fazia passar por gente boa, gente fina, sensível, bem educada e até mesmo um tanto quanto refinada. Quantos golpes aplicara até então…De todos os tipos e modos. Até mesmo dos modos mais difíceis e bem elaborados. Impossíveis de serem sequer imaginados por uma pessoa honesta, de boa índole, normal, decente e temente a Deus ou à justiça dos homens. Ela, Eliane, nunca sentira medo de nada que pudesse acontecer como conseqüência de seus atos desonestos. Crescera ajudando os pais a praticarem suas patifarias, rindo junto com eles das caras dos otários que enganavam e depenavam, aprendendo com eles que a vida valia pelo quanto se vivia. Se nasce um otário por dia e quem pegar é dele, pra que se matar de trabalho? Otários existem aos montes. Gente doida pra ser enganada existe às pencas nas esquinas, nem é preciso procurar muito. Basta ver a quantidade de placas, anúncios e letreiros oferecendo leitura de mãos, de pés, de cartas e outras “ciências ocultas”. A quantidade de gente que, entra eleição sai eleição, vota sempre nos mesmos candidatos que sempre se comportaram como bandidos depois de eleitos e ferram seus eleitores. Otários caretas existem aos milhões. Nascem, crescem e se reproduzem mais que ervas daninhas. Sorte de quem sabe explorá-los, depená-los, limpá-los do que têm. Eliane sabia. Aprendera muito com os pais e aprimorara o que aprendera, superando de longe seus mestres. Eliane aos poucos ia descobrindo que o coronel também tinha seus truques e malícias e ele crescia cada vez mais em seu conceito. Mas seu ídolo máximo era um famosíssimo líder religioso. Aquele sim, sabia “trabalhar”. Sabia “trabalhar” no altíssimo atacadão fazendo com que milhões de pessoas saíssem de suas casas para levar dinheiro para seus templos, para sua igreja que a cada dia se tornava mais e mais universal. Homem Esperto era aquele. Todos os outros eram simplesmente aprendizes se comparados a ele. Era tanta gente dando dinheiro ao homem em todos os bairros, municípios, cidades, estados e países, que ele estava até diversificando suas atividades. Estava entrando em ramos totalmente alheios à igreja e à religião que pregava. Pensando no líder religioso, Eliane acabou desviando-se da raríssima auto-crítica que fazia pelo caminho e chegou a Santos feliz por ter afastado Wilson de casa por um bom tempo. O coitadinho não quis demonstrar, mas ficara aterrorizado com o que Eliane lhe contara. Agora faltava a ela convencer plenamente o coronel de que seu filho sumiria por muito tempo inteiramente contra a vontade dela.
Antes de pegar a estrada de volta para Santos tivera a idéia de telefonar para o amigo Romero e foi com tristeza e decepção que ficara sabendo que ele estava viajando a trabalho. Tivera a idéia de encontrá-lo e com ele passar uma tarde divertida em um motel qualquer da capital. Riu ao lembrar-se de que Romero sempre a fazia rir assim que a penetrava dizendo coisas do tipo:
- Menina, você não imagina o quanto é gostoso a mulher rir, tossir ou espirrar quando a gente tá com o negócio dentro dela. A coisinha cabeluda se contrai e aperta o negócio da gente de um jeito que fica a maior delícia. Quando a mulher dá uma boa gargalhada naquela hora certa, então, parece que vai enforcar o coitadinho…
- Palhaço bom de cama esse Romero…
Na descida da serra voltou a rir sozinha lembrando-se de uma das boas que Romero lhe contara havia muito tempo: era uma noite de Natal e a família dele toda estava reunida em volta da mesa enorme. Além de seus pais e irmãos, estavam também vários casais de tios e uma imensa quantidade de sobrinhos de todas as idades. Todos estranhavam a mansidão e a quietude de Romero naquela noite. Não mexera ainda com ninguém, não tirara sarro da cara dos primos, não fizera a avó rir mais do podia, enfim, estava um “emplastro” no dizer de sua mãe. Romero, silenciosamente, conseguiu captar a atenção de todos e olhou amargurado para seu velho pai, italianão das antigas, que não possuía um pingo de senso de humor, que tanto sobrava ao filho:
- Papai, sei que a ocasião não é a melhor, talvez eu não tenha escolhido bem, mas não posso esconder mais. Tenho que fazer uma revelação aqui e agora, na presença de todos os entes que me são mais caros neste mundo, mais queridos em minha pobre e desgraçada vida..
O velho encarou-o com toda a severidade e apreensão possíveis e ordenou secamente:
- Desembucha logo, rapaz. Vamos.
Romero levantou-se, encarou demoradamente um por um dos presentes antes de pronunciar-se:
- Papai, mamãe, titios, irmãos e primos, vou lhes dizer tudo muito depressa para não perder a coragem.
Tendo em vista o clima criado com antecedência e a inédita seriedade de Romero, todos aguardaram em silêncio a revelação.
Romero tapou o rosto com o braço direito, afastou-se dramaticamente da mesa, empurrou sua cadeira para trás com estardalhaço e parecendo soluçar desesperadamente bradou:
- Gente, eu sou heterossexual.
O choque foi brutal para a família. O velho Romero ficou lívido, parecendo que teria um ataque. Dona Rosa Romero ficou com os olhos marejados. Todos os outros ficaram paralisados de espanto e encarando os três, pai, mãe e filho.
Só a irmã caçula caiu na gargalhada para espanto geral:
- Gente, vocês não perceberam que esse palhaço disse heterossexual? Hetero é macho. Homossexual é que é bicha.
Quando a irmã acabou a rápida explicação Romero já voltava da copa com as mãos cheias de garrafas de cervejas. Como se nada tivesse acontecido.
- E aí, pessoal? A ceia está nos conformes?
= continua amanhã.
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 28/06/2007
Reeditado em 28/06/2007
Código do texto: T543950
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