A Verdadeira História por Detrás das Grandes.

- Vou-me embora de casa!

- Não vou para Pasárgada!

- Simplesmente vou-me embora!

- Cansei-me de dormir na casinha da cadela!

- Cansei-me de ter de me satisfazer na pia do banheiro!

- Cansei-me de ter que tocar minhas músicas escondido no quarto do fundo!

- Cansei de não poder levar amigos, de não poder ter amigos, de não ter o respeito devido por meus familiares!

- Vou-me embora!

- Mas, como disse, não vou para Pasárgada!

- De Pasárgada não conheço nada além do que escreveu Manuel!

- E de Pasárgada não conheço e muito menos sou amigo do rei!

- Vou-me embora carregando apenas meu livro e minhas memórias, minhas histórias, minhas verdades de noites com medo de me tornar eunuco por intermédio de um bisturi, acossado por uma assombração ou ter o cérebro comigo por uma ameba sem sentido!

- É, vou-me embora!

- Abra a porta antes de chamar o chaveiro para trocar as fechaduras!

- Não quero mais ver aquela fotografia de um aniversário de infância onde tu me mostrava o bolo e as velhas velas apagadas, aquele moleque do outro lado da mesa! Sei de tudo e um pouco mais do que pode imaginar sua vã conspiração!

- Vai, então!

- Vai e não volta mais!

- Ou, faz o divórcio para mim? Para nós!

- Não!

- Terei que pagar mil reais para outro advogado fazer?

- Sim!

(Choro falso).

- Faça, vai, não vai te custar nada!

- Vamos lá então, o que você quer?

- Tudo!

- Tudo bem!

- Tudo é seu, então!

- Só não desonre o meu nome!

- Ok!

(Foi o mesmo que dizer o oposto! Além de desonrar botou um débil mental dentro da mesma casa onde minha filha reside!).

Quis matá-la durante um tempo, mas depois vi que não valeria a pena, já que era um corpo mais morto do que vivo batendo a cabeça como um símio na parede chapiscada!

Último detalhe: cuide bem de minha criança! Não quero animalizar-me!

Estou tranquilo, mais forte e perigoso!

A verdade por detrás das grades.

Eram aproximadas onze e dezoito da noite de uma sexta feira treze.

Chovia.

Lá fora o asfalto rugia com o calor do mormaço subindo...

Um pedido...

- Vou tirar o carro e levar embora o amigo que até então estava ali comigo fazendo música. Está chovendo!

- Por que disse aquilo?

- Por que não me calei?

- Por que deveria me calar?

- Voltei-me e disse, calmamente, vou levar o amigo! Está chovendo...

(Um grito absurdo!)

(Um grito que acordou o Mundo)

(As crianças choravam)

(Os cães começaram a latir e as estrelas despencaram do céu desmaiado)

(Um grito)

(Apenas um grito)

(Mas um grito tão louco que Deus ficou assustado).

O amigo foi debaixo de chuva...

Assustado...

Apressadamente...

Naquela noite não dormi...

Meus ouvidos doíam...

Era a grande final do campeonato paulista. Palmeiras e Santos. Domingo quente. Ouvia Bruce Springsteen, feliz no carro, sem camiseta, sentindo o vento... Chamar a filha para acompanhar a vitória do Verdão (na verdade, perdeu). Escrever cansa! Pensar naquela tarde, onde nem o jogo por fim assisti, cansa mais ainda!

Pois é, estacionei o carro em frente à casa onde minha querida mora. Toquei o interfone (a música do carro - Bruce Springsteen - estava num tom até razoável - mas foi o estopim).

- Papai!

- Filha!

Coisa linda!

Nisso, num lapso besta onde o tempo não funciona nos relógios, veio um cara com cara de demente, falando em tom elevado de voz, e a puxou para dentro de casa, batendo a porta!

Do lado de fora ouvia o choro de minha criança. Tinha uns três anos.

Instintivamente, como um animal, pensei pular o muro e arrebentar com sua cara, mas não, como bom cidadão, fui até a delegacia e fiz o registro devido.

Uma pena que enquanto lavrava calmamente meus relatos junto ao digno escrivão, o imbecil veio, juntamente com sua amante, hoje não se sabe o que, e tentou me peitar - tentou - disse. Não enxergo sem meus óculos. Tive que tirá-lo e entregar-lhe ao primeiro PM que vi na frente. Um soco. Apenas um soco! Um soco num local desconhecido, no vento, no bojo, na parede, numa barra de metal, numa almôndega mórbida... Um corpo lançado um metro e meio adiante, balançando as pernas como um besouro chapado de vinho barato na quermesse de setembro. Os policiais vieram e foi o fim da novela.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 11/11/2015
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