901-O ESCRITOR QUE NASCEU NA PRISÃO- Biografia

Um homem sentado numa mesa de bar de ultima categoria, uma espelunca, abria e fechava sem parar uma folha de papel já amassada por tanto manuseio. Passava a mão direita pela longa barba, num gesto que denotava desespero e ansiedade. Uma garrafa de aguardente local estava quase terminada. Já havia lido vezes sem conta a mensagem rabiscada no papel amarfanhado: “Mary está com dias contados”. Não tinha assinatura, pois quem escrevera temia ser incriminado com o barbudo em escândalo bancário em Austin, no estado americano de Texas.

Era o ano de 1899 e o homem desesperado se chamava William Sidney Porter. O bar miserável se situava na cidade de Tegucigalpa, capital de Honduras, na América Central. — Tenho que voltar. Não posso deixá-la sozinha... – murmurava como que querendo reafirmar uma decisão difícil de ser tomada. Levantou-se, enfim, e com pernas cambaleantes dirigiu-se à casa miserável que habitava. Foi então tomado por uma pressa em jogar seus poucos pertences numa velha mala. Ao sair, com passos apressados, esbarrou no proprietário de quem havia alugado a casa. — Estou indo. Tome aqui por cota do que devo, quando chegar ao Texas te mando o resto. – e entregou ao homem assustado algumas notas amassadas.

— Mas, señor, como poderei..? Volte, señor, vamos conversar... A determinação e a urgência fez com que em poucos dias William chegasse, disfarçado pela longa barba, sem ser percebido a sua casa e ao pé do leito da amada esposa, em estado terminal devido a um câncer visceral.

Ajoelhado, abraçou a esposa com ternura e tristeza. — Me perdoa, Mary querida... Me perdoa por ter te abandonado. Ela ergueu-se apoiada nos braços do marido. Olhou-o fixamente com seus olhos profundos e suspirou. Nada disse. Como se estivesse esperando o retorno do marido para morrer, nos seus braços exalou o último suspiro.

William, desesperado e com um imenso sentimento de culpa, providenciou o enterro e em seguida, apresentou-se ao xerife. — Ora, ora, sim senhor! Eis que o larapio... —Peço respeito, senhor xerife. Acabei de enterrar minha esposa e estou aqui me entregando para pagar a minha culpa. O xerife empertigou-se, falou as palavras de praxe ao aprisionar William, e o colocou numa das pequenas e desconfortável cela da Cadeia Publica de Austin.

O julgamento não se fez demorar. Durante as longas horas perante o juiz e os jurados, a movimentada vida de William Sidney Porter foi destrinchada, analisada, comentada, ora pelo advogado da defesa, ora pelo promotor.

Sentado de cabeça baixa, William viu passar pela sua mente as lembranças mais antigas e mais íntimas, que começavam Em Grensboro, na Carolina do Norte, onde nascera em 11. setembro.1862, e fora criado. Seu pai era homem abastado e culto, mas pouca atenção dava a ele, Bill.

Aos três anos sua mãe morreu tuberculosa e Bill foi então entregue aos cuidados de uma tia. Estudou na pequena cidade e aos quinze anos começou a trabalhar como aprendiz de boticário. Tinha pouca ou quase nenhuma relação com o pai. Com vinte anos saiu sem destino da cidade natal, deixando para trás a tia e a provável herança paterna. Viajando para o oeste chegou ao Texas, onde arranjou emprego numa fazenda de gado.

Em uma festa de rancheiros, conheceu Mary Winston. Apaixonaram-se e casaram-se. A esposa o incentivou a deixar o rancho e ele empregou-se como caixa num banco de Austin. Ao mesmo tempo em que trabalhava no banco, tentou escrever comédias e contos de humor. Adquiriu uma revista humorista chamada “The Roling Stone” em 1894. Não teve sucesso o a revista e, assim, passou a trabalhar, nas horas de folga do serviço bancário como repórter, colunista e cartunista no jornal “Houston Post”. Em 1896, aconteceu um desfalque no banco em que trabalhava, do qual foi acusado. Fugiu sozinho para a America Central, abandonando Mary com a promessa de iria buscá-la tão logo estivesse encontrado um lugar para morar.

Fixou em Tegucigalpa, mas não conseguiu trabalho e viu-se mergulhado na miséria. Assim passou três anos a penúria, bebendo e freqüentando bares da capital.

Foi quando recebeu a mensagem. <><><>

O julgamento terminou com sua condenação a pena de quatro anos de reclusão numa prisão de Ohio. Foi quando voltou a escrever e para não ser reconhecido como um condenado passou a usar o pseudônimo de O.HENRY.

Nasceu assim um dos mais prolíficos e imaginativos escritores norte-americanos. Tendo cumprido a sentença, livre, mas cheio de traumas e complexos, mudou-se para Nova Iorque, onde continuou a escrever usando o pseudônimo. Tornou-se popular, pois escrevia contos ao gosto do publico leitor. Ficou obcecado com a idéia de ser reconhecido como William Sidney Porter, devido aos anos da prisão. Tornou-se então um recluso e entregou-se à bebida. Faleceu em 05.06.1910, aos 47 anos, isolado, sem amigos nem parentes, vítima o alcoolismo e na miséria. O.Henry foi um autor de grande imaginação, original e fecundo, pois escrevia num ritmo frenético, escrevendo praticamente um novo conto por semana. Ele contribuiu com mais histórias para o New York Wold do que qualquer outro autor de contos - e ele acabou sendo mencionado como “O Guy de Maupassant da América”.

ANTONIO ROQUE GOBBO – Belo Horizonte, 13.06.2015. Conto # 901 da Série 1.OOO HISTÓRIAS.

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 18/11/2015
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