Fim de Festa

 

Bolo devidamente partido, taças entrecruzadas, brinde aos noivos e a festa chega ao fim.

         A noiva dirige-se pela última vez ao seu quarto de menina. Tira o vestido e joga-o na cama. De lingerie branco a envolver seu corpo delgado e moreno, aproxima-se da grande janela envidraçada, que dá para o jardim e para a rua.

         A chuva caía furiosamente, como em represália àquele calor sem medida, lavando a atmosfera e apressando os convidados a entrarem em seus carros e partirem, até a rua ficar deserta.

         A névoa baixa impede a nitidez do cenário que em sua memória refulge em brilhantes luzes e sombras. Palco vazio. Tanto tempo! Emoções resguardadas com cuidado sob sorrisos e atos, artisticamente naturais. Sob a luz, refletida na calçada viu, farejando o ar, um cão abatido, abandonado em sua pelagem molhada. Desavisado pensa, como ela, ter todo o tempo do mundo para desperdiçar.

         Passa a mão no embaciado que seu hálito depositou sobre o vidro, mas a visão permanece neblinosa.

O cão procura. Procura algo que lhe dê conforto. Não sabe que se parasse sob algum vão de escada e quedasse a observar, poderia achar a relíquia da salvação. O cachorro persevera em passos incertos, enfrentando a garoa, rumo ao final da rua. A silhueta marrom já vai longe, um pequeno ponto na distância, carregando consigo somente a juventude. Sedutora falsária, lhe faz pensar que as brumas do tempo tomarão conta de seu destino, independente de suas vontades ou esforços, dissolverão todos os nós atadores de seus desejos escondidos, como numa mágica realização. Sente angústia frente ao labirinto de mudanças a enfrentar. Agora nada mais poderá realizar seus sonhos. Perderam-se como um cão sob a chuva, em rua desconhecida.

 

 

                                                        Célia Regina Marinangelo