A moça na janela

Lembro-me às vezes de Norberto, voltando do trabalho. Passos cansados, olhos esperançosos, boina azul na cabeça. Vinha pela rua a desviar-se das pessoas procurando separar-se delas quando chegava perto de certa casa que tinha sempre uma moça na janela. A moça do sorriso mais lindo que havia visto. Fazia esse trajeto há cinco anos, mas só nos últimos dias passou a notar aquela linda moça do sorriso mais lindo do mundo.

Admirava tanto o sorriso dela e quanto mais se encantava mais queria ver, a ponto de maldizer os fins de semana quando não tinha que passar por lá. De tanto admirar cismou de acreditar que o sorriso era prá ele. Mais ainda quando certo dia acenou para ela e teve em resposta um delicado e gentil aceno de volta.

Decerto confundiu o sorriso que lhe era natural, que exibia à vida, com a mulher por trás do sorriso que idealizara. Não poderia continuar assim, ela tinha que saber dos seus sentimentos. Um dia tomou coragem e abriu seu coração. Declarou-se à moça dizendo todo o seu amor e ainda entregou-lhe uma folha de papel com uma poesia que fez pensando nela.

Sem vacilar, disse a ele, não. Que não mais imaginasse que aquilo que fizesse na janela, sorrindo, dissesse respeito a ele. Tanto ela poderia continuar sorrindo na janela quanto ele passando todo dia pela rua sem que nada os relacionasse como homem e mulher. Chorou, sentiu desprezo por si, ficou envergonhado, mas não deixou de achar a moça ainda mais bonita e tão honesta. Porque não quis quando podia, alimentar sua ilusão.