O silêncio (não) faz

No silêncio do trajeto eles trocaram apenas perguntas rápidas e respostas mais rápidas ainda. Nada importante, nada relevante, nada que ligasse os seus pensamentos. Estavam distantes e percebiam isso naqueles espaços silenciosos até a casa dela, sem que um interferisse no outro, apenas tentavam ainda.

Houve o tempo de muitos abraços, de muitos beijos fraternais, de conversas intermináveis ao telefone, de encontros sem hora marcada em qualquer lugar. Tudo tão natural, tudo tão recíproco, tão completo. Ela chamava aquilo de amizade, ele de encontro casual que deu certo. Tinham suas filosofias, suas definições para as coisas, tinham também um carinho sem definição que procuravam manter nesse estado, para não estragar no limite que as palavras dão às coisas.

Mas um dia ele quis definir e não soube como, quis lhe falar e achou que não tinha o que falar, quis que ela o entendesse calado e ela lhe sorriu, depois lhe fez perguntas e estranhou, insistiu e persistindo o silêncio, calou-se também. Noutro dia acordou querendo lhe falar tanta coisa que não sabia por onde começar, porque o silêncio incomoda e nos confunde até quando achamos que temos todas as certezas do mundo. Sentiu falta das conversas que nem eram mais tão constantes, dos encontros que perderam a casualidade, sentiu falta de abraçar, porque o silêncio é frio e o abraço aquece. Quis muito abraçar, até já pensou que salvaria um mundo num abraço, porque sonhava. Mas esperou pelo tempo, teve medo de esquecer e ligou.

__ Alô?

__ Fernando? Sou eu, Renata.

__ Tatá?! Pensei em te ligar hoje...Como ce ta?

__ Ahn..foi? To bem...sei lá...senti saudade. Vamo se vê?

__ Eh..também senti, na verdade queria conversar.

__ Aconteceu algo?

__ Não...ainda não.

__ Vai acontecer?

__ Não sei...queria falar sobre isso também.

__ Cê anda calado...

__ Pensando Tatá e não sei dizer.

__ Não gosto de silêncio, por isso liguei. Você ficou estranho de repente e eu não entendi, perguntei e você não respondeu, insisti e você só dizia que estava tudo bem. Mas alguma coisa quebrou na nossa amizade Fernando, não sei o quê...Fiz alguma coisa que chateou você?

__ Não. Passo na tua casa em vinte minutos pra gente ir pra algum lugar conversar um pouco..Tudo bem?

__ Humm...Tá.

Ele chegou em dez minutos e foram caminhar numa praça onde costumavam compartilhar problemas, confidências, alegrias etc. Mas como o tempo passou, mesmo não o deixando à vontade, aquilo também havia mudado. Conversaram sobre tudo, arte, música, cinema, riram de umas histórias engraçadas sobre a vida de alguns poetas que gostavam, perguntaram sobre a família um do outro, colocaram assuntos em dias. Foi um encontro muito bom, um reencontro de velhos amigos, mas de amigos que não se conheciam mais, que estavam ali para tentar resgatar o que a falta de palavras roubou, o que o silêncio medroso abafou. Mas não resgataram, porque mais uma vez o silêncio predominou onde não deveria, falaram de tudo, menos sobre eles.

Não falaram do que sentiam, do que queriam sentir, nem dos medos de sentir. Não falaram de saudades, de vontades, nem de beijos, nem de abraços, nem dos porquês do silêncio daqueles dias. Falaram de suas vidas, mas dessa vez elas não pareciam fazer parte da rotina um do outro.

Ao estacionar ele suspirou e ela o olhou compreensiva, sorriu e desceu do carro enquanto ele a acompanhava apenas com o olhar. Ao fechar a porta do carro, ela baixou-se na janela do carro, dessa vez sorriu e quebrou o silêncio:

__ Eu sei o que nos aconteceu Fê.

Por um momento se espantou mas esperou que ela concluísse, que aliviasse aquele momento, que ele não conseguia expressar, que não conseguia terminar. E ela continuou sorrindo, com uma voz cheia de certezas:

__ Não somos mais amigos. Você se apaixonou por mim...

__Temos um problema? Perguntou desconcertado.

Ele parecia congelado, seu corpo e todos os seus pensamentos pareciam ter parado por alguns segundos. Antes que ele conseguisse balbuciar qualquer coisa para se justificar, ela continuou com o mesmo sorriso:

__ Não, temos o que o silêncio não disse, só que agora, sem medo.

Ele ainda não sabe como conseguiu ligar o carro naquele dia, mas lembra que no dia seguinte pensou que seria capaz de salvar o mundo com um beijo. Beijou.

Lili Almeida
Enviado por Lili Almeida em 02/07/2007
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