"Morena, Linda, Sensual, de Olhos Verdes" = Romance = Capítulo 17

Três dias depois Eliane visitou Waldemar pela última vez na cadeia da Praia Grande. Como das vezes anteriores, usava uma peruca ruiva, enchimentos nos seios e nos quadris, sapatos de saltos muito altos, e sardas notáveis no rosto. O carcereiro, que a comia com os olhos, viu-a de longe e, parecendo um mestre de cerimônias, todo cheio de mesuras e rapapés, encaminhou-a até o local de visitas aos presos. Eliane ria sempre ao pensar em como ficaria esse homem se a visse como ela realmente era. Se a visse nua então…. Seria capaz de ter um troço. Waldemar, como sempre, destilou toda sua amargura, toda sua revolta por não conseguir sair daquele inferno e de não ter direito pelo menos a uma visita íntima, de uma trepada para matar as saudades. Todo ele fedia muito. Fedia a falta de banho, excesso de cigarros, chulé e mau-hálito. Eliane fez das tripas coração para demonstrar a ele todo seu amor inabalável em qualquer circunstância, suas esperanças de tê-lo logo de volta ao lar, de poderem viver em paz depois de um bom golpe daqueles que só ele sabia idealizar e executar. Deixou-o feliz da vida no fim da visita, com “bola cheia”, e fez um discreto sinal ao carcereiro, que entendeu rápido e acompanhou-a pressuroso. - Moço, é impressão minha ou o senhor gostaria de me conhecer melhor? Não sei…o jeito que o senhor me olha é tão agradável, tão franco e direto…Seus olhos parecem estar me elogiando, me agradecendo por aparecer…ou será só impressão minha? Gosto tanto do seu olhar que acabei tomando coragem de lhe perguntar. O funcionário do presídio olhou-a surpreso, animado, feliz da vida com a chance de poder se declarar sem constrangimento ou medo de levar um “chega pra lá”. Mexer com mulher de preso é perigoso, a gente nunca sabe o tipo de conhecimento que esses bandidos têm e de repente tá enrascado. - Moça, eu só vou lhe dizer porque você me perguntou, mas a verdade é que você me tira o sono e o sossego cada vez que aparece aqui. Como diz a molecada hoje em dia, eu sou “frissurada” em você. Acho que nunca vi mulher mais bonita e, com todo o “respetio” , mais gostosa de se olhar, se admirar. Pelo amor de Deus, não vá me complicar; tá bem? Aquele seu marido, o Waldemar, a senhora que me desculpe, é um ladrãozinho pé –de-chinelo, mas tem umas amizades perigosas. Sabe, como é; né? De repente ele cisma que tô dando em cima da mulher dele e aí posso estar frito. Sabe como é; né? - Bobagem, moço. Que eu saiba, ninguém se daria ao trabalho de fazer alguma coisa séria por ele. Só eu mesma. Só eu, que fui uma boba e compliquei minha vida por causa desse traste, desse…desse….infeliz, e agora estou pagando por minhas bobagens. O senhor nem imagina o quanto tenho sofrido por causa dele. - Olha, moça, não quereno ser intrometido, mas sofrendo pruquê? Falta de dinheiro? Filho doente? o que é que tá lhe acontecendo? Se a gente de repente podemos ajudar, não face cerimônia, afinal a gente estamos no mundo para servir os amigos. Às vezes é bom a gente se abrirmos um pouco, contar as mágua, desabafar. Não gostaria de conversar comigo? - Gostaria sim, meu senhor. E muito até. Preciso conversar com alguém disposto a ouvir uma pobre e infeliz que já não sabe mais o que fazer, mas não querendo ser chata, não poderia ser aqui. O senhor sabe, a nossa conversa pode chegar ao conhecimento dele e, aí sim, eu estaria perdida de uma vez por todas. - Onde, então? Em sua casa? - Não, Deus que me livre e guarde. Seria o mesmo que conversar na cela dele. Olhe, quando eu venho à Praia Grande hospedo-me sempre na pensão de dona Berenice. O senhor a conhece? Uma pensãzinha muito simples, muito familiar, na praia do Boqueirão. -Conheço sim, só não me alembro bem é do nome da pensão, mas me alembro de dona Berenice. O filho dela vorta e meia se “hospeda” aqui. Chapa nossa a véinha. Gente fina. - Até amanhã de manhã estarei lá. Se o senhor me pudesse dar o prazer da visita, a felicidade de aparecer a qualquer hora, eu o esperaria. - Fica tranqüila, moça. Dentro de duas hora acaba meu turno e vô direto pra lá. Poderemos conversarmos à vontade pelo resto da tarde. Se ocê quiser, é craro. - Vou querer sim. O senhor é a simpatia em pessoa e parece muito vivido e compreensivo. - Sabe como é; né? A gente fazemos o que podemos. Até mais tarde, intão. A caminho da pensão Eliane deu boas risadas lembrando-se da frase “ a gente fazemos o que podemos”, entre outras de igual perfeição lingüística. Nem ao menos se deu ao trabalho de pensar antes no que diria ao carcereiro. Quando se está habituado a mentir, é a coisa mais fácil do mundo. É automático. Abre-se a boca, espera-se um décimo de segundo e, pronto, as palavras mentirosas vão surgindo e se encaixando com perfeição uma atrás da outra direitinho. Formando mentiras inteiras, sinceras, verídicas e convincentes. Eliane não tinha a menor dúvida de que o carcereiro partiria da pensão doido para ver Waldemar tornar-se um defunto o quanto antes. Dona Berenice recebeu-a com o mesmo carinho e afeto de sempre. Condoia-se com a sina daquela pobre moça, daquela pobre esposa de um presidiário, de um vagabundo que volta e meia fazia a mulher sofrer, mas que não o abandonava nunca. - “Que coisa estranha…- pensava a dona da pensão- esses homens maus, esquisitos, de vida torta, acabavam muitas vezes arranjando esposas ou companheiras maravilhosas, honestas, decentes, infernizavam a vida delas, e em troca recebiam carinho, dedicação e solidariedade. Coisas que muitos homens honestos e decentes passavam a vida inteira sem conseguir. Passavam a vida sonhando e morriam sem conseguir. Vá lá entender-se a humanidade… Pouco mais de duas horas depois o carcereiro chegou à pensão exalando felicidade por todos os poros. Abraçou efusivamente dona Berenice e logo perguntou pela esposa do presidiário, a que esperava por sua visita. - Gente fina a moça, dona Berenice. Uma esposa maravilhosa de um cafajeste da pior ispéci. Quer levar um lero comigo e a snhora sabe como eu sou: precisando de apôio é só me dizê. - Ainda mais quando é jovem e bonita, não é, Geraldo? - O que é isso, dona Berenice? Logo a senhora, esse anjo de bondade, mardando onde só há vontade di servi? - Estou brincando, Geraldo. Vá lá que a moça me avisou que estava lhe esperando. E o meu filho, como está? - Preso, dona Berenice. Bem presinho como sempre. Dona Berenice riu com amargura da brincadeira sem graça de Geraldo. Geraldo estava se vingando da brincadeira dela. Enquanto Geraldo subia a escada dona Berenice enxugou do rosto as lágrimas que começaram a escorrer. = Continua amanhã=
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 03/07/2007
Reeditado em 20/07/2007
Código do texto: T550288
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