"Morena, Linda, Sensual, de Olhos Verdes" = Romance = Capítulo 18

Existisse um Oscar para pessoas que não fossem atores ou atrizes profissionais, Eliane seria uma forte candidata a uma das estatuetas por sua magnífica atuação ao conversar com o carcereiro. Geraldo saiu da pensão abismado com o que Waldemar fora capaz de praticar contra aquela esposa abnegada, fiel, maravilhosa, que tanto se sacrificara por ele nos muitos anos de convivência. O preso era mesmo uma besta-fera da pior espécie. Um animal sem uma gota de sentimento, um verdadeiro animal selvagem sem conserto, sem chance alguma de regeneração pelo fato de ter nascido sem coração. E ele que pensava que Waldemar fosse apenas e tão somente um ladrãozinho pé-de-chinelo…O homem era um monstro frio e sanguinário. Um tarado, um pedófilo, um assassino monstruosamente agressivo. Logo ele, Geraldo, o carcereiro antigo, acostumado a lidar com o lado mais feio e cruel da vida; que convivia esporadicamente com advogados, promotores e juízes, que às vezes até o cumprimentavam dando a mão; que julgava conhecer profundamente o caráter dos “hóspedes” sob sua guarda, deixar-se iludir, enganar-se tanto com relação à capacidade de Waldemar de infundir tanto terror à família, à própria família. Logo ele, Geraldo, deixar-se enganar dessa forma era até mesmo humilhante. Feria seu orgulho profissional, sua vaidade de carcereiro conhecido e respeitado. Até poucas horas atrás podia afirmar de boca cheia que conhecia a bandidagem, que sabia de antemão quanto tempo cada um daqueles homens levaria para voltar à prisão, mas jamais poderia imaginar, nem de longe, o poder intelectual de Waldemar. A força que o homem possuía para imaginar vinganças e levá-las a cabo. Jamais o imaginara sequer capaz de um assassinato a sangue-frio na hora da raiva, quanto mais de um assassinato premeditado fria e minuciosamente. Cabia a ele agora tomar medidas preventivas a fim de evitar uma tragédia maior no futuro. Não deixar que o homem saísse vivo da cadeia e viesse a desgraçar a vida do senhor Diretor ou mesmo a sua, simples carcereiro cumpridor de seus desagradáveis deveres. A pobre esposa de Waldemar, coitada, em sua inocência, deixara escapar que o marido tinha contas sérias a acertar com ele e com todo o pessoal encarregado do funcionamento da Penitenciária. Sem contar o terror em que aquela pobre mulher vivia. Geraldo concluiu ao fim da conversa que a verdade era uma só: a pobre moça morria de medo de ver o marido solto e sua vida correndo risco sério, assim como a de seu pobre e indefeso filhinho, tão loucamente amado por ela.

Alguns dias depois Waldemar recebeu, com muita surpresa, uma marmita especial. Uma comida muito melhor e mais cheirosa que a refeição normal da Penitenciária. Ao abri-la viu os olhos dos companheiros de cela arregalarem-se. Três belíssimas bistecas encimavam a pilha formada pelo arroz, feijão, couve e torresmos.
- O que é isso, companheiro? Aniversário, comemoração, ou andou subornando alguém?
- Sei lá, meu chapa. Não pedi nada a ninguém e não sei quem poderia ter mandado esse pratão caprichado.
No dia seguinte Waldemar recebeu, novamente muito surpreso, um pacotão com muitos maços de cigarros caros. Cigarros extras, além dos que Eliane costumava trazer-lhe por saber que eram a moeda-corrente ali. Quem os teria mandado? Cigarros caríssimos, extra longos, coisa de gente fina. Ele não encomendara nada a ninguém. Comida especial. Cigarros especiais. Ele não estava sabendo de nada do que estava acontecendo. Bem, o melhor seria deixar as coisas correrem e ver no que daria. Os companheiros de cela olhavam para ele com estranheza e animosidade. Queriam saber o que estava acontecendo, o que é aquele tipo estava aprontando para ser assim tão bem tratado de repente. Coisa boa não poderia ser.
Dois dias depois Waldemar foi retirado da cela e levado, segundo o carcereiro, à presença do senhor Diretor da Penitenciária. Na ante-sala ficou sentado por pelo menos duas horas e depois simplesmente levado de volta à cela sem qualquer explicação. Não entendeu nada e ficou confuso ao extremo. Alguma coisa séria deviam estavam aprontando para cima dele. Refeições especiais por três dias seguidos, um pacotão de cigarros especiais, aquela levada até a sala do diretor…Estavam aprontando alguma com ele, isso era certo, mas o que seria? O clima na cela já estava o pior possível e só um completo imbecil não o perceberia. Todos os companheiros olhavam para ele com evidente desconfiança e vigiavam-no o tempo todo.
- E aí, Waldemar? O que é que o diretor queria com você, cara? Perguntar se está satisfeito com o rango? Se a marca dos cigarros é boa? Se está gostando do cigarro especial para veadinhos?
- Não, meu irmão. Nem fui recebido pelo diretor. Me deixaram plantado lá duas horas e depois me trouxeram de volta. Não entendi porra nenhuma.
- Tá muito estranho isso, companheiro. Muito estranho mesmo…Quer dizer que mandam te buscar, te levam pra diretoria e te trazem de volta para nada, nada mesmo? Num dá pra engolir, cara. Não dá mesmo, companheiro. Arranja outra história que essa não convence.
- O que é que eu posso fazer se não convence? É a puta da pura verdade. Não sei que porra é essa que tá acontecendo. Comida caprichada, cigarros que não pedi, visita à diretoria. Algum filho da puta está aprontando feio pra cima de mim.
- Não será você que está aprontando pra cima dos companheiros, cara? Estão dizendo que você não vai mesmo tentar a fuga com a gente.
- Mas isso eu nunca escondi de ninguém. Não vou mesmo. Não faltam nem três meses para acabar minha pena. Fugir pra quê? Pra ser pego de novo e mofar aqui dentro mais uns anos? Mas não tenho nada contra a fuga de vocês. Até ajudo no que puder.
- Sei, sei…acho que até adivinho a ajuda que você vai dar pra gente…
No dia seguinte os oito companheiros de cela de Waldemar foram transferidos para oito celas diferentes. Cada um mudado para uma cela diferente. Melou assim todo o plano de fuga que haviam elaborado. Alguém os havia denunciado, isso era mais do que certo. Alguém os dedara à diretoria. Bastava qualquer desconfiado somar dois mais dois para chegar à conclusão de que Waldemar não deixara de ser atendido quando daquela ida à presença do diretor.
Vinte e quatro horas após a mudança dos oito prisioneiros, um tremendo tumulto na hora do almoço deixou como vítima fatal apenas Waldemar, esfaqueado por todo o corpo centenas de vezes.

Geraldo, o carcereiro, sorria, feliz da vida. Teria na cama, dentro de poucos dias, a recompensa implícita no olhar e no jeitinho cativante de Eliane. Investira pouco, mas investira bem. Algumas marmitex especiais, alguns pacotes de cigarros caros, e aquela genial levada de Waldemar até a diretoria. Agira como um mestre ao colocar os companheiros de cela contra Waldemar sem ao menos ter aberto a boca. Fizera por merecer comer aquela linda mulher o quanto antes. Aquela gostosura que acabara de enviuvar.

= Continua amanhã=
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 04/07/2007
Reeditado em 04/07/2007
Código do texto: T551589
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