Poeta aos Fins de Semana

Irei agora lhes contar a história de um jovem rapaz que viveu no séc. XIX, vamos chamá-lo aqui de Carlos Augusto. Carlos podia ser considerado um cara comum com seus 20 e poucos anos, não fosse o fato de seu grande desejo de tornar-se escritor, ou melhor, um poeta. Isso era um sonho que aos poucos lhe consumia, ora o considerava uma benção, ora uma maldição. Era um poeta de fim de semana, já que ainda não conseguira ter o seu nome escrito na história da literatura, nem ao menos ter sequer um de seus trabalhos publicados.

Tinha um emprego em uma repartição pública, todas aquelas pilhas de papéis consumiam sua energia, matavam seu entusiasmo. Sem falar no ambiente hostil, encoberto de malícia, em que o pobre Carlos com sua alma ingênua de poeta era sempre vítima das perversidades dos seus colegas de trabalho. Vivia na época da elegância, usava terno, colete e chapéu como a maioria dos homens, esses trajes lhe atribuíam traços mais miúdos ao seu já franzino tipo físico.

Todos os dias ao sair do trabalho, como um hábito para aliviar as tensões do dia, ele caminhava algumas quadras até a mesma cafeteria. Pedia um cigarro, uma xícara de café puro, e lia o jornal. Sentava-se sempre na mesma mesa na área externa com vista para a rua. Vez por outra tirava os olhos do jornal e fitava o movimento dos transeuntes, as carroças, as carruagens, as pessoas pegando o bonde. Logo após esse ritual diário ia também tomar o bonde de volta pra casa, ou melhor, um quarto alugado em um sobrado no subúrbio.

Após jantar um pouco antes do anoitecer, ele debruçava-se na janela com olhos sem esperança, fumando mais um cigarro, fitando o infinito, as luzes da cidade, as estrelas no céu, o brilho do luar, pensando no fiasco que era sua vida. Antes de deitar-se, lia a luz de vela algum romance, e vez por outra remexia a caixa onde guardava seus textos, mas como já disse devido a sua rotina desgastante ele só costumava escrever aos finais de semana.

Passou-se algum tempo e Carlos já havia enviado seus melhores poemas a todos os jornais e revistas da época, porém sem qualquer sucesso. Cada nova rejeição era um golpe duro em sua alma e coração. Passou á sentir-se cada vez mais desanimado. Seu trabalho na repartição era feito com muita má vontade, até seus colegas percebendo seu estado de tristeza pararam de lhe provocar com as velhas brincadeiras. Deixava aos poucos o hábito de frequentar a cafeteria e quando o fazia era de forma apresada, preferindo ir direto ao sobrado para fitar a cidade com o olhar cada vez mais vazio.

Quando se dedicava á escrita de algum poema, debruçava-se sobre á máquina de escrever com os cabelos despenteados e os olhos vidrados, batia nas teclas com fúria como se assim a velha máquina pudesse reproduzir versos melhores, tentando escrever um texto que finalmente fosse publicado.

Mas logo depois foi tomado de ainda mais desesperança e passou á beber muito. Ao chegar em casa a garrafa de uísque era sua única companhia. Aos fins de semana, vagava pelos bares enchendo a cara e dormindo na sarjeta. Os colegas passaram á reparar em sua aparência, nos seus olhos e rosto sempre vermelhos de ressaca, mas apenas cochichavam entre si, sentindo-se culpados por ter infernizado tanto á vida do nosso jovem poeta.

Após mais um fim de semana de bebedeiras, depois de ter apanhado e dormido na rua, Carlos olhou sua cara magra e sofrida no espelho, suas olheiras e sua cor pálida como á de um vampiro, devido à alimentação precária. Foi tomado por um choque de realidade, viu que aos poucos estava se destruindo e que isso não o levaria á lugar algum.

Tomou um desjejum reforçado, saiu para trabalhar e falou com todos os colegas. Que por sua vez foram bastante simpáticos, ainda com um sentimento de culpa. Cumpriu suas tarefas com paciência e capricho.

Ao final do expediente, retomou o velho hábito de frequentar a cafeteria. Após folhear o jornal, quase se engasgou com o gole do café qual não foi sua surpresa ao descobrir que um de seus poemas avia sido publicado nele. Leu e releu várias vezes com um sorriso ao pé da orelha os versos de sua autoria, para ter a certeza de que não estava sonhando. Ali nascia o poeta Carlos Augusto.