Atrás da Porta
 
"Você vai ficar."

Ela disse enquanto lavava a louça do jantar.
Na porta da cozinha, o marido surpreendeu-se com a calma da voz dela. Ia partir, estava decidido e as malas prontas. Ela podia ficar com o apartamento confortável de dois quartos e uma suíte em um bairro tradicional. Levaria o carro. Estava apaixonado por outra. Não era justo viver uma mentira.
Ela afirmou, enxugando as mãos no pano de prato, que o que não era justo era ele tê-la tirado de dentro da casa dos pais aos dezoito anos com promessas mentirosas de amor eterno e depois de vinte anos juntos se apaixonar por outra e abandoná-la como se ela fosse um objeto que não tivesse mais serventia.
Ele suspirou e deu de ombros. Não queria discutir. Uma vida nova se descortinava aos seus olhos, ele já tinha alugado uma casa e o seu amor estava lá, esperando por ele. Disse que sentia muito e desejava que ela fosse feliz.

Pegou as duas malas e dirigiu-se à porta da frente. Ouviu os passos dela atrás de si. Na certa iria dependurar-se ao seu pescoço, chorar e implorar que ele não a deixasse mas o que sentiu foi uma dor grossa entre as omoplatas quando ela enfiou-lhe a faca de cortar carne até o cabo e de novo e de novo e de novo, nas costas, no pescoço, nos braços.
Ele resvalou para o tapete de boas vindas deixando um caminho de sangue na porta branca. E ela continuou a golpeá-lo, chorando de ódio. Cada facada era uma lembrança ruim, uma traição, uma humilhação, um desdém.
Quando cansou o braço e ficou satisfeita ela tomou um banho, lavou os cabelos, vestiu sua melhor roupa e chamou a polícia. Confessou o homicídio e não precisava de advogado.

Ao cruzar a porta, algemada e escoltada por dois policiais, ela deu um chute no cadáver coberto por um lençol branco e sorriu.
"Eu não disse que você ia ficar?"
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 28/01/2016
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