"Morena, Linda, Sensual, de Olhos Verdes" = Romance = Capítulo 19

"Morena, Linda, Sensual, de Olhos Verdes" = Romance = Capítulo 19

Levou mais de um mês para Geraldo convencer-se de que nunca mais veria Eliane. Ela não aparecera para o enterro do companheiro nem para coisa alguma. Simplesmente desaparecera do mapa.
Pouco mais de um mês depois da morte de Waldemar, alguém chamou Geraldo ao telefone durante o serviço.
- Geraldo, é voz de mulher. Disse que é a viúva do Waldemar.
Geraldo voou para o telefone cheio de esperanças.
- E aí, Geraldinho? Tudo bem você, querido? Trabalhando muito?
- Graças a Deus sim pra tudo. E com a senhora? Tudo em ordem? Mas a senhora sumiu, né? Estou morreno de sôdades da minha amiga...
- Que isso, Geraldo? Você dá um jeito de matarem meu maridinho e ainda dá a entender que quer se encontrar comigo? Quanta insensibilidade....Eu só queria que ele fosse afastado, não eliminado, assassinado brutalmente. Mas vocês, homens, são mesmo umas bestas violentas e grosseiras. Pensei que você fosse mais inteligente, mais sutil, mas não é. Você é igualzinho aos bandidos que mantém presos. Estou muito, muito triste mesmo com você, Geraldo. Adeus, até nunca mais.
- Espere, dona Eliane, não desli...Filha de uma puta!! Vaca desgraçada! Consegui o que queria e ainda liga pra gozá da minha cara. Trabaiei de graça pra vagabunda e fiquei na mão!! Ah, mas ela me paga. Nem que leve dez anos essa puta me paga por essa...
O telefone voltou a tocar e Geraldo atendeu, pressuroso. Vai ver ela estava só brincando com ele antes.
- Penitenciária da Praia Grande...
- Geraldinho, sou eu de novo. Olha a gente não diz “ a gente fazemos o que podemos”, a gente diz “ gente faz o que pode”. Entendeu a diferença, querido?
- Olha aqui, sua...
- Calma,menino...Tá nervoso porquê? Eu não te dei a entender que teria meu corpo todinho pra você?
- Você só faltou jurar craramente.
- Então fique sossegado. Vou cumprir minha promessa. Até já tirei um montão d fotos peladinha, de frente e de costas pra mandar pra você. Tchau, baby...
- Filha da...
Não conseguiu completar frase alguma. A vagabunda batera o telefone de novo.

Eliane riu muito pensando na cara de decepção do carcereiro. Sujeitinho pretensioso...Pensar que a levaria para a cama com aquele jeitão besta de compreensivo, paternal, mui amigo. Ainda mais dizendo barbaridades do tipo “ a gente fazemos o que podemos...”. Enxergue-se, babaca.

Quando em Santos, Eliane trajava-se o mais simplesmente possível. Chamava a atenção apenas por sua beleza incomum, tanto de traços fisionômicos quanto de corpo. Usava sempre vestidos simples, sandálias quase sem salto, cabelos escorridos e apenas escovados e nada de maquilagem. Menos, é claro, quando saía à noite, bem acompanhada.
Seria difícil alguém de São Paulo reconhecê-la em Santos, tal a transformação que conseguia com disfarces simples, nada trabalhosos nem muito elaborados. Perucas, outros tipos de roupas, óculos feios e antiquados, um sotaque diferente e maneiras que pareciam sempre de outras pesssoas. Vê-la em Santos durante o dia, ao natural, era ver uma mulher totalmente diferente. Natural, despojada, simples e bela ao mesmo tempo.
Levava uma vida tranqüila em Santos. Não devia nada a ninguém, jamais arranjara complicações na cidade e era bem conceituada e benquista por quantos a conheciam. Se bem que ninguém pudesse dizer que a conhecia bem. Todos a conheciam apenas ligeiramente. A maioria não seria capaz de dizer seu nome, muito menos o seu endereço. A impressão geral era de que se tratava de uma ótima pessoa. Uma pessoa sem qualquer tipo de problema na vida.
Não se relacionava com os vizinhos, não ia à casa de ninguém e não facilitava a entrada de ninguém em sua casa. Não ouvia música em altura exagerada e não reclamava jamais de coisa alguma, de vizinho algum, por motivo algum. Enfim, fazia tudo para não chamar a atenção sobre sua pessoa. Mesmo na praia estava sempre só e sabia repelir com classe as aproximações masculinas e mesmo as femininas.

Quando Eliane chegava a São Paulo sentia-se apenas como mais um mísero peixe de aquário entrando na imensidão do alto mar. Sentia-se em total segurança para levar sua outra vida, defender seu dinheiro, aplicar seus golpes ou efetuar suas vendas limpas e depois voltar para Santos e curtir um bom descanso.
Quando não sabia muito bem o que faria a seguir ou para onde iria, costumava deixar o carro em Santos e subir a serra de ônibus. Durante o percurso selecionava os anúncios que pudessem lhe interessar, recortava-os caprichosamente e jogava fora o resto do jornal. Cada anúncio daqueles que dizia respeito a vendas era uma oportunidade para ela de ganhar dinheiro rápido e fácil. Era apenas uma questão de ficar conhecendo o produto, descobrir as brechas no talão de pedidos ou contratos e pronto, em alguns dias embolsava uma respeitável quantia. Um anúncio que meses atrás lhe chamara a atenção, um que pedia vendedores e vendedoras para filtros de ozônio para água, fora uma excelente oportunidade. Uma oportunidade que Eliane soubera aproveitar muito bem.
Quando começara a vender os tais filtros, o campeão de vendas na Empresa conseguia uma média de trinta vendas por mês. Eliane achou pouco, muito pouco mesmo. Calculou que precisaria de pelo menos cento e vinte comissões em um mês para ficar sossegada por algum tempo. Trabalhou direitinho, fez muitas visitas, muitas demonstrações e poucas vendas para suas pretensões. Trabalhara muito e honestamente, sem afastar-se um milímetro que fosse das normas comerciais da Empresa.
Na segunda semana ela estava sentada no vaso, no banheiro da Empresa, quando ouviu uma colega comentar com outra que o namorado estava para fechar um pedido imenso. Um pedido tão grande que eles até poderiam apressar o casamento. Deu detalhes. Disse o nome da fábrica de automóveis, o nome do homem com quem o namorado ficara de conversar e fechar o pedido, e só faltou dar o telefone da casa do comprador. “Coisa de encher os bolsos, menina!! Pedidão pra arregalar os olhos! A turma aqui vai ficar besta quando ele trouxer o pedido, você vai ver.” Eliane parou até de respirar para que elas não notassem que ela estava ali, no pequeno espaço do sanitário, sentadinha na privada e imóvel, só na escuta.
- Custou demais, colega. Custou demais mesmo. Ele levou um tempão para falar com o tal Hans, um alemãozão imenso que cuida das compras. Deu mais de vinte telefonemas até o homem resolver atendê-lo. Maior sufoco. Estou te contando em confiança. Pelo amor de Deus, não abra o bico que pode melar tudo, viu, querida? Se o Dudu fechar o negócio, coleguinha, serão mais de cem unidades de uma tacada só! Já imaginou? Ele compra até um carro novo pra gente viajar em lua de mel, ai meu Deus! Que sonho!
Eliane tinha vontade de soltar uma gargalhada. “Bestalhona, imbecil, linguaruda dos diabos. Olha só o que ela está arranjando para o namorado: inveja, fofocas, torcida contra, olho gordo...Vê lá se a gente pode se abrir sobre um negócio que ainda não fechou...Muito obrigada pela dica quente, idiota linguaruda. Obrigada mesmo, querida...”
Eliane nem ao menos voltou à sala de reuniões. Saiu sem dar qualquer satisfação ao gerente, correu para a rua, tomou um táxi e deu ao motorista endereço da tal fábrica de automóveis.
- Moça, essa fábrica fica em São Bernardo do Campo. Vai dar uma bela grana a corrida.
- Por gentileza, senhor, cuide do volante e eu cuidarei da despesa. Tenho certa urgência de chegar lá; viu?
Ela sabia que a corrida seria cara, mas seria um bom investimento com certeza de retorno.

=Continua amanhã.
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 07/07/2007
Reeditado em 20/07/2007
Código do texto: T555384
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