QUEM QUER SER HERÓI ?

Pensei em escrever um conto fantástico, sedutor, emocionante e marcante.

Primeiramente, teria de ter um tema atrativo, instigante e de grande interesse.

QUEM QUER SER HERÓI? Não deixa de ser um tema incomum, certo?

Quando pensamos em heróis, na vida real, quem vem à mente? Bombeiros, é claro.

Antes de me dedicar ao texto, fui ao quartel para pesquisar sobre a vida dos soldados do fogo, mas após alguns minutos de conversa com o comandante do batalhão, mudei de idéia.

- Acho interessante sua iniciativa de escrever sobre nossa atividade, mas se quer falar de heróis, será melhor mostrar médicos, paramédicos, que salvam muitas vidas, em condições precárias e arriscadas de trabalho. Tenho muito respeito e admiração pelo que fazem.

Concordei com o homem, e me dirigi a um posto de atendimento médico de urgência, onde a chefe, pessoa atenciosíssima, ficou encantada com a proposta, mas antes de continuar a fornecer informações, sugeriu que eu falasse sobre os bons policiais, que assumem todos os riscos, nas ruas e em locais perigosos, para abrir caminho para bombeiros e médicos fazerem a assistência, encaminhamento e controle da situação, nas mais variadas ocorrências.

Embora saibamos de atitudes lamentáveis de maus policiais, periodicamente, através dos noticiários, é forçoso reconhecer que há excelentes policiais, também, e que os serviços que prestam são tão essenciais quanto perigosos. Não havia como discordar da médica, em relação ao fato de que esses profissionais, quando agem corretamente, são, de fato, grandes heróis, que correm riscos para defender o patrimônio público e a paz social.

Dá para adivinhar que meu destino seguinte foi uma delegacia de polícia, não é mesmo?

Tomei um chá de cadeira, que achatou minha bunda, mas depois fui recebido com certa gentileza pelo delegado, que, inicialmente, pensou que eu fosse jornalista e estivesse tentando envolvê-lo em alguma entrevista de caráter dúbio. Esclareci como pude, meu intento, e mesmo que não estivesse totalmente convencido, o homem relaxou um tanto e se disse lisonjeado pela iniciativa. Pediu-me, no entanto, que me aproximasse de sua mesa e segredou-me, ao pé do ouvido, que, pessoalmente, admirava o heroísmo dos voluntários e agentes de campo da defesa civil, que atuam nas áreas de desastres, correm riscos, contraem doenças, mas nunca deixam de atender aos necessitados, de várias maneiras, com o custo da própria vida.

Não havia como contraargumentar, então, mesmo cansado das idas e vindas, tomei o rumo da secretaria da defesa civil, pedi o nome de dois voluntários, o que foi fácil, e resolvi lhes fazer uma visita. Como ambos se conheciam e moravam na mesma rua, marquei uma reunião na casa de um deles. Expliquei o intento, surpreenderam-se com a explanação e, como se tivessem ensaiado, disseram que se alguém merecia homenagem e o título de herói seria seu professor. Segundo os rapazes, um professor, em especial, além de outros, os incentivaram a entrar para a Defesa Civil e pensar solidariamente. Infelizmente, porém, o mestre morrera.

- Esse nosso professor, e todos os professores, em geral, são verdadeiros heróis, que ensinam em escolas sucateadas, sem material adequado, sem treinamento, ganhando pouco e enfrentando diversos problemas, com os alunos, com bandidos e com o governo.

Eu também nutria admiração por muitos de meus antigos professores.

Fui a uma escola tradicional e pedi para falar com a mais antiga professora, que, solicita, chegou sorridente, e se inteirando do pretendido, arregalou os olhos e me disse, suavemente:

- Meu filho! Sinto-me honrada com sua atitude, mas antes de ser professora, sou mulher. Como mulher enfrentei mais problemas e adversidades do que como professora, e sei que há muitas mais a sofrer horrores, sem poder deixar cair a peteca. As mulheres cumprem o turno formal do trabalho, fora de casa, e o informal dentro. Geralmente, não são respeitadas, ouvidas ou consideradas, a não ser para fazer as vontades dos filhos e do marido. Eis aí suas heroínas!

- A senhora é uma mulher como essas. Seria minha heroína?

- Vou lhe apresentar a alguém que merece todas as honras.

Levou-me a uma favela infecta, e em meio a passarelas sobre o esgoto, entramos num barraco mambembe, onde uma senhora negra alimentava duas crianças de colo.

Contou-me que ela se chamava Jurema, tinha cinco filhos (problemáticos), doze netos, dos quais cuidava, trabalhava num lixão e era voluntária, de madrugada, num albergue. Sem nenhuma dúvida, era a heroína das heroínas, mas minhas palavras não tinham força suficiente para traduzir o valor de tal mulher, nem a sociedade tinha a sensibilidade para reconhecê-lo.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 08/03/2016
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