LUMARI OU MARILU?

Aconteceu por volta de meus dezesseis anos.

Tímido e desengonçado, eu não impunha muito respeito nem captava admiração das meninas por meu aspecto, que era, de fato, desabonador. Porém, era artista, e quando subia num palco, fosse para cantar, tocar ou interpretar, a transformação era radical. Por tal motivo, era bastante conhecido, quase famoso, o que ajudava a diminuir o sentimento de esquisitice que sentiam, quando em contato mais próximo comigo.

Minha timidez era, particularmente, bem mais acentuada com as moçoilas que estavam orbitando em torno de minhas andanças, e com as quais sonhava, delirava, mas, dificilmente, conversava. Mesmo quando surgia a rara oportunidade de um diálogo, destrambelhadamente, eu o transformava numa situação tão constrangedora, que não durava mais que um instante.

Paralelamente, tinha amigas, com quem me sentia muito à vontade, porque o tema das conversas era bem diferente, envolvendo conhecimento, arte, metafísica e outros tópicos que nenhuma identificação tinham com minhas pataquadas juvenis.

Entre poucos acertos e muitos desacertos, encarei uma situação interessante, que ficou profundamente registrada em meu íntimo, ao longo das décadas vividas após. Ela envolveu duas personagens diferentes e muito próximas (eram primas), de nome Lumari e Marilu.

Marilu era dois meses mais velha, e quando sua tia, que estava para dar à luz sua filha, soube seu nome, quis usá-lo também. No entanto, vendo que sua irmã não gostara da idéia, alterou as sílabas e aplicou Lumari. A primeira, desde nova, conforme me contou sua prima, sempre foi sapeca, vaidosa ao extremo, e ao tornar-se adolescente, quis viver intensamente a fase dos hormônios superlativos, entregando-se às mais variadas experiências e privilegiando a curtição, as festas, em detrimento de estudos ou o que fosse mais sério. Mas como tinha um cérebro privilegiado, conseguia levar a escola no bico, estudando apenas o suficiente para não repetir o ano letivo e seguir em frente. Estava cursando jornalismo, quando a conheci.

Lumari era mais quieta, acanhada, vestia-se sobriamente, quase nunca saía de casa e como tinha dificuldade em memorizar o que aprendia na escola, dedicava-se, cotidianamente, a repassar os estudos. Raramente, assistia algo na TV, ia ao cinema ou ouvia alguma canção, sempre absorvida pelas matérias curriculares, que lhe exigiam toda a atenção. Também ela já cursava a faculdade, quando a conheci, tendo optado pelo curso de letras.

Marilu compareceu a um show, em que cantei à frente de minha banda, venceu minha caipirice, rindo e se insinuando, tentando me deixar tranquilo, e, dias depois, foi a uma apresentação teatral, em que eu fazia papel secundário. Após a peça, fomos a uma lanchonete próxima, e durante o lanche ela sugeriu que fôssemos transar no seu apartamento. Gelei!

Junte meu jeito abobado com virgindade e já terá noção de um desastre iminente.

Eu deveria ter dado uma desculpa qualquer e ter ido embora, mas, tolamente, topei.

Ao chegarmos, ela tirou a roupa e foi tomar banho, enquanto eu já estava banhado em suor, tremendo e amedrontado. Nisso, toca a campainha. Abri a porta e vi, pela primeira vez Lumari. Ao se deparar com um homem no apartamento da prima, pediu desculpa e já ia se retirar, mas não deixei que escapasse. Puxei-a para dentro e, mesmo com imensa dificuldade para transpor seu constrangimento, fiz o possível para que se sentisse à vontade (embora nem eu estivesse assim), afinal sua presença garantia uma alteração do plano inicial da prima.

Surpreendentemente, quando Marilu saiu do banho, nua em pelo, e a viu, simplesmente, mandou-a embora, sem mais nem menos. Ela nem disse nada, e já se dirigiu à porta, mas eu achei aquilo tão rude, que fui junto com a garota, sem explicação. Acompanhei-a até sua casa e nos tornamos amigos, embora nunca tenhamos transformado nossa amizade em algo mais.

Oito anos depois a encontrei, já doutora, linguista, trabalhando na ONU, vistosa e bonita, totalmente diferente daquela garota encurvada que conhecera, falando em alto e bom som, bem articulada, com várias extensões universitárias e carreira de sucesso.

Perguntei-lhe sobre a prima, e soube que Marilu se casara com fazendeiro e morava em cidadezinha próxima a Goiânia. Já estava separada, com quatro filhos, virara evangélica, tinha de trabalhar num restaurante, para complementar a pensão e enfrentava doença autoimune.

E você? Casou? Não, ela disse. Minha jornada de descobertas está só começando.

Despedimo-nos, e enquanto a via se afastar, pensava em como a vida pode surpreender qualquer um de nós, positiva ou negativamente. Mas tudo nasce em nossas atitudes.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 22/03/2016
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