As Damas

Maria nem era uma mulher compreensiva.

No início arrancou os cabelos arrepiados com medo dos fantasmas e contos de damas da noite. Mulheres de aspectos e comportamentos duvidosos que sempre rondaram lares à espreita de insatisfação.

Nada demais.

Avós e matronas já feitas pelo tempo e com ares de decência adquirido à base de muita oração e quem sabe, um pouco de constrangimento.

Algumas, no entanto, não desistiam nem com a idade avançada.

Feito súcubos saídos de algum conto da cripta, tentavam invadir seus domínios e ameaçar seu casamento que, diga-se de passagem, era tão rígido que havia sido forjado ao som da marcha militar e não da nupcial.

Ouvia desde pequena, histórias como aquela.

Um dia estava tudo bem, no outro, a fera de unhas carmim, fala macia e muita pintura na cara, atacava. E aí não havia reza, não havia explicação ou choro que bastasse.

Era dor, raiva e separação.

E ela, conhecedora de tais manobras diabólicas sabia bem do que aquelas pestes eram capazes. Por isso rugia com tais investidas.

Ora sentia dor de cabeça, ora o estômago lhe reclamava.

Fel, todo dia, também mata!

Um dia, de tanto pensar em tais criaturas materializou-as dando provas do poder da tal da "lei da atração". Se antes eram apenas pensamentos consistentes que cutucavam até virarem pesadelos, agora estavam ali, circulando em carne e osso pelos seus dias.

Foi então que conheceu a 1ª Dama.

Vinha de cabeça baixa e com jeito acanhado. Aquela até suportaria. Meio avoada, com um quê de mundo da lua, exibia os quilos a mais e os pelos que saltavam do umbigo espremido no biquíni cor de abóbora.

Feinha a se fazer de bonita. Uma cena estranha.

Aquela não seria problema se tentasse invadir seu espaço santo.

Maria tinha mais medo daqueles cabelos pretos a circular a órbita escura do furo na barriga do que dos olhares bovinos que ela lançava vez ou outra em direção ao seu homem.

Parecia até que ia chorar, a coitadinha.

Mas de gente que nunca teve intenção, o inferno transbordava e mesmo tendo aquela Dama ares amigáveis, Maria blindou aquilo que lhe era mais caro.

Para a 2ª, torceu o nariz.

Medonha de arrotos e falas.

Coisa com cheiro ruim, emanava ectoplasmas pançudos de soberba e a decrepitude típica de quem vive faminto por vaidade e por qualquer moeda de prata venha de onde vier.

A ela, Maria nem compreendeu. E se de fato, se esmerasse, talvez tomasse um susto vendo a frivolidade que cercava tal Dama.

Tratou logo de despachá-la e fazer discursos ardorosos sobre a danação e os pecados mortais por onde aquela criatura havia feito sua morada.

Um dia olhou para a 3ª.

Coisa triste, de dar dó.

Enquanto passava por uma febre e buscava auxílio em quem não mais a queria, a Dama tocava a vida sem saber que não mais existia.

Maria, a esta até olhou sentindo pena, mas nem tanta a ponto de fazer um cumprimento.

Arrumou a cama, agora deite!

E a 4ª? Uma figura!

Ares de quem queria fazer carreira na TV usando o único atributo que doava caridosamente em qualquer carro de luxo: um corpo que de beleza só carregava a crença da própria dona.

A 6ª era uma piada.

Piedosa, virtuosa, caridosa e temendo tanto o diabo que se esquecia de cuidar da vida própria e vez ou outra se via em braços alheios a testar sua crença e sua fé inabalável!

Uma falha atrás da outra!

Mas ela não desistia! No domingo tomava um banho esmerado e no fervor, lavava a alma e as partes íntimas.

A 7ª dama havia feito escola.

Coisas da juventude que levam qualquer moça do interior ingênua e sem informação a acreditar no conto do dinheiro fácil.

Em pouco tempo andava coberta de joias e com roupas da moda.

Para a família na cidade minúscula, falava do quanto havia subido na vida. E entre subidas e descidas, suava nas posições mais absurdas para ganhar o pão de cada dia.

Por fim, veio a 8ª.

A última Dama a rondar o terreiro antes que Maria, por fim, pusesse a argola no dedo naquele que chamava de marido.

Terrível aquela Dama.

Seca, dura, dando ordens e com ares seguros de quem conhecia o mundo. Havia estudado, lido, aprendido...

Sentimento? Nenhum. Apenas a troca fluídica necessária para aliviar o corpo e fortalecer a alma.

Com esta houve falas de paixão, contou o marido cheio de temor e correndo risco de morte. Súbita, irada, violenta.

Coisa boba... À toa... Ele remendou sem graça.

Quando a festança e o dinheiro acabaram, restaram daquela Dama apenas as tarjas pretas regada a muito vinho.

Assim, Maria soube das damas na festa.

Conheceu uma a uma e as guardou na memória e nas conjecturas que fazia nas horas de incômodo.

E vieram outros bichos que também a assombravam. Coisas que não faziam nem cócegas nos dias de sol, mas à noite, quando não havia luz e o escuro mostra espectros, assustavam.

Às vezes, confabulava e apresentava para si os próprios fantasmas.

Apaziguadores e compreensivos mostravam que ela também havia tido suas próprias façanhas, suas mais secretas fantasias, mas, daí a ser amiga das alheias havia um abismo!

Ah, isso havia!

E assim o buraco crescia e vez ou outra ficava cheio de raiva.

Vencida, por fim, por um monstro de olhos amarelos, um dia sucumbiu.

Na agonia de ter as estranhas roídas por sentimento tão perverso, se viu flutuando sobre um abismo que exigia decisão.

Que se danasse aquela peçonha que rondava o seu lar!

Assim como ela, Maria tinha suas armas, suas formas, seu jeito e seus desejos.

Olho por olho, isso sim era lei!

Resolveu enterrar os mortos de vez e com eles, as tais Damas infernais.

Em um instante de sabedoria, trocou de roupa, envergou o bom e velho vestido negro que mais parecia uma mortalha e sorriu satisfeita.

Caça às bruxas!

A vida era rápida demais para ficar pensando nos pelos e umbigos alheios!

Edeni Mendes da Rocha
Enviado por Edeni Mendes da Rocha em 30/03/2016
Reeditado em 07/04/2016
Código do texto: T5589750
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